16 de outubro de 2010

D2 se converte ao samba para celebrar Bezerra

Resenha de CD
Título: Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva
Artista: Marcelo D2
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * 1/2

Bezerra da Silva (1927 – 2005) se tornou evangélico no fim da vida sem que a conversão alterasse a sua imagem de “malandro” e “cantor de bandido”. “Na verdade, eu sou um cronista / Que transmite o dia a dia do meu povo sofredor”, alertou em Partideiro sem Nó na Garganta (Adelzonilton, Nilo Dias e Franco Teixeira, 1992), um dos 14 sambas incluídos na seleção final do CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva, recém-lançado pela EMI Music. O rapper se converte em sambista e cantor ao abordar com reverência repertório que guarda afinidades temáticas com o cancioneiro do Planet Hemp – a ponto de os versos de A Semente (Roxinho, Tião Miranda, Felipão e Walmir da Purificação, 1987) se ajustarem com naturalidade ao canto de D2, assumido usuário de maconha. Mais do que pela temática, o sexto álbum solo do rapper soa inusitado na discografia do artista por reproduzir a sonoridade tradicional do samba de morro. Mérito do produtor Leandro Sapucahy - com quem D2 dialoga nos versos de A Necessidade (José Garcia e Jorge Garcia, 1977), com direito a improvisos autorreferentes na letra – e do pianista Jota Moraes, recrutado para fazer os arranjos de todas as faixas. Até um trio feminino de vocalistas (Carla Pietro, Keilla Santos e Neth Bonfim) foi arregimentado para evocar o coro do conjunto As Gatas, presença recorrente em discos de samba dos anos 70 e 80. Entre sambas que fazem valiosas crônicas sociais sob a ótica do povo marginalizado - caso de Meu Bom Juiz (Beto sem Braço e Serginho Meriti, 1986) - e outros que recorrem a humor mais popularesco, como Minha Sogra Parece Sapatão (Roxinho, Tião Miranda e 1000tinho, 1983), D2 se revela hábil cantor de partido alto. E, de quebra, ainda lembra que o irreverente Na Aba (Trambique, Paulinho Correa e Ney Silva, 1982) –  samba associado a Martinho da Vila por conta da bem-sucedida gravação de 1984 – foi, a rigor, lançado por Bezerra dois anos antes. Três anos depois de fazer sucesso com Pega Eu (Criolo Doido, 1979), quando o partideiro pernambucano – radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde os anos 50 - ainda dava seus primeiros passos na carreira fonográfica e gravava pela pequena CID. Com capa que parodia a imagem antológica do álbum Eu Não Sou Santo (1992), com o detalhe de que o rapper-sambista é crucificado com microfones no lugar de armas, o CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva é tributo tão reverente quanto linear à obra de um sambista indigesto por dar voz – como os rappers, aliás – a uma parcela da sociedade que as elites preferem ignorar ou, então, manter calada. Viva Bezerra!!

7 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Bezerra da Silva (1927 – 2005) se tornou evangélico no fim da vida sem que a conversão alterasse a sua imagem de “malandro” e “cantor de bandido”. “Na verdade, eu sou um cronista / Que transmite o dia a dia do meu povo sofredor”, alertou em Partideiro sem Nó na Garganta (Adelzonilton, Nilo Dias e Franco Teixeira, 1992), um dos 14 sambas incluídos na seleção final do CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva, recém-lançado pela EMI Music. O rapper se converte em sambista e cantor ao abordar com reverência repertório que guarda afinidades temáticas com o cancioneiro do Planet Hemp – a ponto de os versos de A Semente (Roxinho, Tião Miranda, Felipão e Walmir da Purificação, 1987) se ajustarem com naturalidade ao canto de D2, assumido usuário de maconha. Mais do que pela temática, o sexto álbum solo do rapper soa inusitado na discografia do artista por reproduzir a sonoridade tradicional do samba de morro. Mérito do produtor Leandro Sapucahy - com quem D2 dialoga nos versos de A Necessidade (José Garcia e Jorge Garcia, 1977), com direito a improvisos autorreferentes na letra – e do pianista Jota Moraes, recrutado para fazer os arranjos de todas as faixas. Até um trio feminino de vocalistas (Carla Pietro, Keilla Santos e Neth Bonfim) foi arregimentado para evocar o coro do conjunto As Gatas, presença recorrente em discos de samba dos anos 70 e 80. Entre sambas que fazem valiosas crônicas sociais sob a ótica do povo marginalizado - caso de Meu Bom Juiz (Beto sem Braço e Serginho Meriti, 1986) - e outros que recorrem a humor mais popularesco, como Minha Sogra Parece Sapatão (Roxinho, Tião Miranda e 1000tinho, 1983), D2 se revela hábil cantor de partido alto. E, de quebra, ainda lembra que o irreverente Na Aba (Trambique, Paulinho Correa e Ney Silva, 1982) – samba associado a Martinho da Vila por conta da bem-sucedida gravação de 1984 – foi, a rigor, lançado por Bezerra dois anos antes. Três anos depois de fazer sucesso com Pega Eu (Criolo Doido, 1979), quando o partideiro pernambucano – radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde os anos 50 - ainda dava seus primeiros passos na carreira fonográfica e gravava pela pequena CID. Com capa que parodia a imagem antológica do álbum Eu Não Sou Santo (1992), com o detalhe de que o rapper-sambista é crucificado com microfones no lugar de armas, o CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva é tributo tão reverente quanto linear à obra de um sambista indigesto por dar voz – como os rappers, aliás – a uma parcela da sociedade que as elites preferem ignorar ou, então, manter calada. Viva Bezerra!

16 de outubro de 2010 às 11:37  
Blogger Marcelo Barbosa said...

Beleza de final, Mauro. Gostei bastante da sua resenha, do disco em si, uma homenagem sincera e honesta, sendo que o D2 saiu-se MUITO MELHOR do que o Leandro no seu tributo a Roberto Ribeiro.
Destaca-se também a caprichada arte gráfica do cd, fotos legais, sem contar a sessão de classificados. Abraços,

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)

PS: O dueto com o Sapucahy sem dúvida é uma das melhores faixas do disco, sem contar a faixa Minha sogra parece sapatão (a que mais gostei). Legal também o recado final, inclusive descrito no encarte.
PS2: Salve Ratinho! Só agora li a sua matéria; sem contar que foi um dos autores do samba campeão da Caprichosos de Pilares no Acesso (82), o popularíssimo Moça Bonita não paga, sobre a feira livre. Descanse em paz!
PS3: E que beleza a caixa da minha cantora! PENA que você só resenhou a da Gal, merecia uma crítica (viu, meu caro crítico?), tamanho capricho do selo/gravadora Discobertas. Pena que faltaram as letras nos encartes. E Dona Elisabeth já provava que era A MELHOR em repertório desde os primórdios. Privilégio de POUCAS no Samba, inclusive as que utilizavam-se da ajuda de maridos.

16 de outubro de 2010 às 19:41  
Blogger Gill Sampaio Ominirò said...

Há muito que venho ouvindo com muito gosto os raps de D2. Criativo, provocador, às vezes oportunista. De qualquer forma, um grande artista por quem a música popular vem sendo influenciada. Por outro lado, Bezerra eu gosto desde seus discos de "coco" até a estruturação do partido alto. Grande sambista, gravou com grande maestria músicas que se tornaram clássicos marginais, mas infelizmente nunca clássicos da MPB. Dois grandes artistas que se admiravam, agora a D2 resta admirar Bezerra. Ainda não ouvi o disco, mas a intenção de D2 já estabelece o milagre da música.
Se Bezerra era a voz do morro, D2 se perfaz como a voz do novo.

16 de outubro de 2010 às 23:40  
Blogger Denilson Santos said...

Esse disco deve ser muito bacana.

Tomara que a popularidade do raso e ralo Marcelo D2 junto à galera jovem lance um pouco de luz sobre a obra revolucionária e corajosa do Bezerra da Silva.

abração,
Denilson

18 de outubro de 2010 às 09:31  
Blogger Gill Sampaio Ominirò said...

Mauro, preciso de uma luz.
Acabo de comprar o CD e ouvir e me parece que há algo errado com a sonoridade, a forma como os instrumentos se sobressaem sobre a voz de D2 que é fraca. O que você pode dizer sobre isso? Achei que a voz de D@ em muitas vezes está mais baixa que o som dos instrumentos.
Obrigado

21 de outubro de 2010 às 23:04  
Blogger Gill Sampaio Ominirò said...

Detalhe, o Cd tem 15 faixas, mas rola pela net alguns com 18 faixas.

21 de outubro de 2010 às 23:05  
Blogger Mauro Ferreira said...

Gill, o D2 gravou mais de 20 sambas (22 ou 24, agora estou em dúvida) para selecionar os 14. Algumas sobras já foram lançadas em formato digital. Quanto à sonoridade, houve a intenção - bem-sucedida, a meu ver - de reproduzir o som dos discos do Bezerra. Abs, MauroF

22 de outubro de 2010 às 09:06  

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