28 de setembro de 2010

Gachot expõe na tela a grandeza da voz de Nana

Resenha de documentário musical
Título: Rio Sonata - Nana Caymmi
Diretor: Georges Gachot
Cotação: * * * * 1/2
Em exibição no Festival do Rio
Sessões em 30 de setembro de 2010 (Estação Botafogo, 24h)
e em 2 de outubro de 2010 (Estação Ipanema, 13h e 17h20m)

"Gente, eu me adoro cantando...", dispara Nana Caymmi, com sua habitual espontaneidade e franqueza, em meio a um jogo de cartas com amigos. A cena é um dos mais bem-humorados takes de Rio Sonata, o documentário sobre a cantora dirigido por Georges Gachot, um francês naturalizado suíço que vem se especializando em retratar intérpretes brasileiros. Cinco anos após enfocar Maria Bethânia em Música É Perfume (2005), Gachot expõe na tela toda a grandeza do canto de Nana num filme bem superior ao seu antecessor. Pontuado por polaróides cariocas de um Rio mais nublado e chuvoso do que ensolarado, o documentário de tons impressionistas perfila a cantora com poesia, sem tirar o foco da personagem principal. Ora em cartaz no Festival do Rio, Rio Sonata entrelaça imagens cariocas com entrevista com Nana, imagens de arquivo, takes de estúdio - feitos durante a gravação do álbum Sem Poupar Coração (2009) - e depoimentos de Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Mart'nália e Milton Nascimento, entre outros ilustres admiradores da cantora. Se a costura é feita em ponto quase convencional, a grandeza do canto de Nana faz toda a diferença e emociona quando explode na tela, da abertura (com Até Pensei, de Chico Buarque) até os créditos finais (com Sorri, a versão de Braguinha para Smile, de Charles Chaplin). Entre um momento e outro, Gachot consegue transpor para a tela, ao longo de 84 minutos, uma personagem tão ímpar quanto sua voz. "Nana mistura o amor com a Arte", dá a pista Erasmo, comparando a colega brasileira com a norte-americana Billie Holiday (1915 - 1959) pela intensa vivência posta por ambas em suas viscerais interpretações. O Tremendão tocou no ponto certo, como os olhos marejados de Nana ao interpretar Medo de Amar (Vinicius de Moraes) - numa bela tomada feita em estúdio, em close - já tinham sinalizado no começo do filme. O que não estava tão claro, mas fica no filme, é a intensa ligação de Nana com o irmão Dori Caymmi, aprofundada em termos profissionais quando a cantora  iniciou sua carreira profissional em 1966. "Dori é uma pessoa-chave na minha vida", reitera Nana, que se sagrou vitoriosa ao defender Saveiros no I Festival Internacional da Canção, em 1966, porque Dori bateu pé firme na escolha de sua irmã para interpretar sua parceria com Nelson Motta. "O Nelson queria a Elis Regina", entrega Dori no filme arquitetado por Gachot desde 2004. Vem da época dos festivais, a propósito, a imagem mais rara e antiga do documentário, que mostra generoso trecho da interpretação de Bom Dia, música entoada por Nana ao lado do violão do então marido Gilberto Gil  no III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. "Muita gente acha que eu compus a música e deixei a Nana assiná-la comigo, mas Bom Dia é uma música mais da Nana do que minha", enfatiza, generoso, Gil, na época no olho do furacão tropicalista que não arrastou Nana. "Não sou cantora de movimentos. Não achei graça no Tropicalismo. E não o entendi até hoje", dispara Nana, em outro take espirituoso que provoca o riso do espectador. Contudo, Rio Sonata mais emociona do que faz rir. A evocação do universo da música clássica sugerida pelo título do filme faz todo o sentido quando a personagem retratada na tela é uma artista apaixonada por esse universo - fã doente do pianista Nelson Freire ("Quando ele toca, dói") - que começou a cantar espontaneamente aos dois anos, estudou música já aos quatro, casou com 18 e se jogou de corpo e alma na profissão de cantora aos 25. "Eu não vivo sem música", sentencia Nana já no começo do documentário. Entre frases que ajudam a entender a personalidade da cantora ("Não funciono com barulho"), de humor oscilante, Rio Sonata a mostra cantando temas como Na Rua, na Chuva, na Fazenda (num show ao ar livre, feito em Sorocaba em 2007), Sem Você (no palco dividido com Tom Jobim), Cais (com Milton Nascimento) e Atrás da Porta. Tudo que é afirmado na tela é corroborado pela grandeza dessas interpretações. E um dos números musicais, Requebre que Eu Dou um Doce, cantado informalmente com Miúcha e Maria Bethânia no camarim do show Brasileirinho, é a deixa para o arremate que enfatiza a música e a importância do pai e mestre Dorival Caymmi (1914 - 2008) na vida e obra da filha que estreou em disco com a gravação de Acalanto. Tudo faz sentido ao final - até a sequência em que se ouve Não se Esqueça de mim com o foco na tristeza da população pobre e anônima que não aparece nos cartões-postais do Rio. Por mais que o diretor perca a mão por breves momentos (como quando insere imagens dispensáveis de recente show de Mart'nália durante o depoimento da filha de Martinho da Vila), o resultado é várias vezes tocante porque a alma e a Arte da cantora enfocada preenchem a tela - e parecem até saltar dela - em vários momentos desta sonata que faz jus à voz da carioca Nana Caymmi.

6 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

"Gente, eu me adoro cantando...", dispara Nana Caymmi, com sua habitual espontaneidade e franqueza, em meio a um jogo de cartas com amigos. A cena é um dos mais bem-humorados takes de Rio Sonata, o documentário sobre a cantora dirigido por Georges Gachot, um francês naturalizado suíço que vem se especializando em retratar intérpretes brasileiros. Cinco anos após enfocar Maria Bethânia em Música É Perfume (2005), Gachot expõe na tela toda a grandeza do canto de Nana num filme bem superior ao seu antecessor. Pontuado por polaróides cariocas de um Rio mais nublado e chuvoso do que ensolarado, o documentário de tons impressionistas perfila a cantora com poesia, sem tirar o foco da personagem principal. Ora em cartaz no Festival do Rio, Rio Sonata entrelaça imagens cariocas com entrevista com Nana, imagens de arquivo, takes de estúdio - feitos durante a gravação do álbum Sem Poupar Coração (2009) - e depoimentos de Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Mart'nália e Milton Nascimento, entre outros ilustres admiradores da cantora. Se a costura é feita em ponto quase convencional, a grandeza do canto de Nana faz toda a diferença e emociona quando explode na tela, da abertura (com Até Pensei, de Chico Buarque) até os créditos finais (com Sorri, a versão de Braguinha para Smile, de Charles Chaplin). Entre um momento e outro, Gachot consegue transpor para a tela, ao longo de 84 minutos, uma personagem tão ímpar quando sua voz. "Nana mistura o amor com a Arte", dá a pista Erasmo, comparando a colega brasileira com a norte-americana Billie Holiday (1915 - 1959) pela intensa vivência posta por ambas em suas viscerais interpretações. O Tremendão tocou no ponto certo, como os olhos marejados de Nana ao interpretar Medo de Amar (Vinicius de Moraes) - numa bela tomada feita em estúdio, em close - já tinham sinalizado no começo do filme. O que não estava tão claro, mas fica no filme, é a intensa ligação de Nana com o irmão Dori Caymmi, aprofundada em termos profissionais quando a cantora iniciou sua carreira profissional em 1966. "Dori é uma pessoa-chave na minha vida", reitera Nana, que se sagrou vitoriosa ao defender Saveiros no I Festival Internacional da Canção, em 1966, porque Dori bateu pé firme na escolha de sua irmã para interpretar sua parceria com Nelson Motta. "O Nelson queria a Elis Regina", entrega Dori no filme arquitetado por Gachot desde 2004.

28 de setembro de 2010 às 18:29  
Blogger Mauro Ferreira said...

Vem da época dos festivais, a propósito, a imagem mais rara e antiga do documentário, que mostra generoso trecho da interpretação de Bom Dia, música entoada por Nana ao lado do violão do então marido Gilberto Gil no III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. "Muita gente acha que eu compus a música e deixei a Nana assiná-la comigo, mas Bom Dia é uma música mais da Nana do que minha", enfatiza, generoso, Gil, na época no olho do furacão tropicalista que não arrastou Nana. "Não sou cantora de movimentos. Não achei graça no Tropicalismo. E não o entendi até hoje", dispara Nana, em outro take espirituoso que provoca o riso do espectador. Contudo, Rio Sonata mais emociona do que faz rir. A evocação do universo da música clássica sugerida pelo título do filme faz todo o sentido quando a personagem retratada na tela é uma artista apaixonada por esse universo - fã doente do pianista Nelson Freire ("Quando ele toca, dói") - que começou a cantar espontaneamente aos dois anos, estudou música já aos quatro, casou com 18 e se jogou de corpo e alma na profissão de cantora aos 25. "Eu não vivo sem música", sentencia Nana já no começo do documentário. Entre frases que ajudam a entender a personalidade da cantora ("Não funciono com barulho"), de humor oscilante, Rio Sonata a mostra cantando temas como Na Rua, na Chuva, na Fazenda (num show ao ar livre, feito em Sorocaba em 2007), Sem Você (no palco dividido com Tom Jobim), Cais (com Milton Nascimento) e Atrás da Porta. Tudo que é afirmado na tela é corroborado pela grandeza dessas interpretações. E um dos números musicais, Requebre que Eu Dou um Doce, cantado informalmente com Miúcha e Maria Bethânia no camarim do show Brasileirinho, é a deixa para o arremate que enfatiza a música e a importância do pai e mestre Dorival Caymmi (1914 - 2008) na vida e obra da filha que estreou em disco com a gravação de Acalanto. Tudo faz sentido ao final - até a sequência em que se ouve Não se Esqueça de mim com o foco na tristeza da população pobre e anônima que não aparece nos cartões-postais do Rio. Por mais que o diretor perca a mão por breves momentos (como quando insere imagens dispensáveis de recente show de Mart'nália durante o depoimento da filha de Martinho da Vila), o resultado é muitas vezes tocante porque a alma e a voz da cantora enfocada preenchem a tela - e parecem até saltar dela - em vários momentos desta sonata que faz jus à voz da carioca Nana Caymmi.

28 de setembro de 2010 às 18:29  
Blogger Eulalia Moreno said...

Olá Mauro
Parafraseando a própria : quando Nana canta, dói.Ansiosamente aguardando esse documentário aqui em São Paulo. Obrigada pelas boas novas que voce nos traz
Abraço
Eulalia

28 de setembro de 2010 às 21:28  
Blogger lurian said...

Nana é simplesmente fantástica. Um dos melhores repertórios dos anos 70 e que não resvalou nos excessos dos anos 80. Se manteve firme e fez um dos melhores discos da década apenas ao som do piano César Camargo Mariano, e com seu senso ela disse: casa coma 'baixinha' e quer fazer o disco da vida dele comigo? e dispara uma risada daquelas! Isso é Nana, cáustica e dolorida, muito intensa!

29 de setembro de 2010 às 00:16  
Blogger Jeferson Garcia said...

E o projeto do cd/dvd ao vivo?

29 de setembro de 2010 às 00:23  
Blogger Unknown said...

Mauro
vc nao tem jeito nao. Tah sempre na frente com noticias fresquinhas. Jah to roendo unhas prah ver o documentario. Sou fanzao da Nana e Bethania. Amo essas duas de graça. Minhas Divas! Essa noticia foi um "Acalanto" nos meus ouvidos. Vou dormir sorrindo e escutando. E amanha de peh escutando " Bom Dia " - Que por sinal eh linda, nao eh?
Boa noite e obrigado pelo update.
Mac :-)

29 de setembro de 2010 às 04:21  

Postar um comentário

<< Home