25 de janeiro de 2010

Zé destila as tradições da MPB no show 'Imbora'

Resenha de Show
Título: Imbora
Artista: Zé Renato (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Centro Cultural Carioca (RJ)
Data: 18 de janeiro de 2010
Cotação: * * * *
Em cartaz às segundas-feiras (até 25 de janeiro de 2010)

Logo após cantar samba inédito feito com Joyce (Desarmonia, boa novidade do roteiro do show Imbora), Zé Renato lista sete compositores - Ary Barroso (1903 - 1964), Custódio Mesquita (1910 - 1945), Dorival Caymmi (1914 - 2008), Noel Rosa (1910 - 1937), Pixinguinha (1897 - 1973), Tom Jobim (1927 - 1994) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980) - que, conforme diz em cena, definiram as bases da música brasileira. "Tudo que eu faço passa por eles", ressalta, antes de engatar um longo medley que agrega temas desses compositores (O Amor em Paz, Lamento, Foi Ela, Pela Décima Vez, Mulher, Nunca Mais, A Jangada Voltou Só, João Valentão). De fato, dá para identificar as boas tradições da música brasileira no canto e na obra autoral de Zé Renato. Neste show Imbora, apresentado por ele às segundas-feiras no Centro Cultural Carioca, no Rio de Janeiro (RJ), Zé aglutina tais tradições em roteiro primoroso que mistura inéditas, clássicos da MPB pré e pós-Bossa Nova e sucessos da carreira solo e do grupo Boca Livre.

Não fosse o Brasil o país das cantoras, Zé Renato talvez fosse mais reverenciado - na medida de seu grande talento como intérprete. Reiterado em discos recentes que beiram o sublime - como É Tempo de Amar (2008) e Navegantes (2004) - e neste show de voz-e-violão. Tocado pelo próprio Zé, o violão não chega a ser excepcional como a voz, mas funciona muito bem, preparando a cama para que o cantor deite e role em temas autorais que transitam bem pela vivacidade nordestina (caso do baião Toca Sanfoneiro, parceria com Luizão Paiva e com o saudoso poeta Cacaso), pelo lirismo poético da canção brasileira (Pena de Sabiá, com Xico Chaves) e pelo tom lúdico das crianças (Água pra que? - tema de um projeto infantil sobre as águas que o artista pretende concretizar em breve). Ainda dentro da rica seara autoral, Zé apresenta músicas feitas com Arnaldo Antunes (Porque Eu Estou Aqui) e Pedro Luís (Imbora - a música que dá título ao belo show).

Baseado no repertório de um disco de voz-e-violão que vai ser lançado por Zé Renato neste ano de 2010, com produção do guitarrista Ricardo Silveira, o roteiro de Imbora pesca no baú nativo pérolas lapidadas originalmente em tempos idos de maior ingenuidade e poesia. É o caso da pueril Professora, parceria de Benedito Lacerda (1903 - 1958) e Jorge Farah que fez parte do repertório de Silvio Caldas (1908 - 1998) - cancioneiro, aliás, abordado por Zé Renato num dos discos mais festejados de sua obra fonográfica (Arranha-Céu, 1993). Por mais que Zé continue a produzir como compositor, seu gosto como intérprete parece situado em algum bom lugar do passado da música brasileira. O que explica a presença tanto de um tema pouco cantado de Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) - Aves Daninhas (1954), sucesso na voz soturna da cantora Nora Ney (1922 - 2003) - como de uma parceria obscura de Waly Salomão (1943 - 2003) com Carlos Pinto, Luz do Sol, entoada por Gal Costa em 1971 no célebre show Gal Fa-Tal - A Todo Vapor, transformado num dos discos mais emblemáticos da cantora. Sem nunca carregar nas tintas, Zé desfia com sua voz afinada o rosário de mágoas de Lupicínio com a mesma precisão com que sublinha toda a poesia contida no samba Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico). Às vezes, eleva um pouco o tom e esboça registro mais caloroso, como na supra-citada Luz do Sol. Mas sem nunca passar do ponto. Entre iluminada folia de reis composta com o parceiro Pedro Luís (Luz da Nobreza), nobre parceria com Milton Nascimento (Ânima), sucesso do Boca Livre (Quem Tem a Viola, sem pegada no registro minimalista de voz-e-violão) e marcha de Sérgio Sampaio (Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua), Zé Renato solta um grito gutural que introduz Kid Cavaquinho, samba de João Bosco e Aldir Blanc entremeado no roteiro de Imbora com outro samba da dupla de bambas, De Frente pro Crime. No fim, já no bis, Como Tem Zé na Paraíba (Catulo de Paula e Manezinho Araújo) - sucesso de Jackson do Pandeiro (1919 - 1982) - destila fina ironia, mostrando que, dentro da devoção às suas tradições, o canto de Zé Renato se revela elástico, sedutor e fluente em várias latitudes.

12 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Logo após cantar samba inédito feito com Joyce (Desarmonia, boa novidade do roteiro do show Imbora), Zé Renato lista sete compositores - Ary Barroso (1903 - 1964), Custódio Mesquita (1910 - 1945), Dorival Caymmi (1914 - 2008), Noel Rosa (1910 - 1937), Pixinguinha (1897 - 1973), Tom Jobim (1927 - 1994) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980) - que, conforme diz em cena, definiram as bases da música brasileira. "Tudo que eu faço passa por eles", ressalta, antes de engatar um longo medley que agrega temas desses compositores (O Amor em Paz, Lamento, Foi Ela, Pela Décima Vez, Mulher, Nunca Mais, A Jangada Voltou Só, João Valentão). De fato, dá para identificar as boas tradições da música brasileira no canto e na obra autoral de Zé Renato. Neste show Imbora, apresentado por ele às segundas-feiras no Centro Cultural Carioca, no Rio de Janeiro (RJ), Zé aglutina tais tradições em roteiro primoroso que mistura inéditas, clássicos da MPB pré e pós-Bossa Nova e sucessos da carreira solo e do grupo Boca Livre.

Não fosse o Brasil o país das cantoras, Zé Renato talvez fosse mais reverenciado - na medida de seu grande talento como intérprete. Reiterado em discos recentes que beiram o sublime - como É Tempo de Amar (2008) e Navegantes (2004) - e neste show de voz-e-violão. Tocado pelo próprio Zé, o violão não chega a ser excepcional como a voz, mas funciona muito bem, preparando a cama para que o cantor deite e role em temas autorais que transitam pela vivacidade nordestina (caso do baião Toca Sanfoneiro, parceria com Luizão Paiva e com o saudoso poeta Cacaso), pelo lirismo poético da canção brasileira (Pena de Sabiá, com Xico Chaves) e pelo tom lúdico das crianças (Água pra que? - tema de um projeto infantil sobre as águas que o artista pretende concretizar em breve). Ainda dentro da rica seara autoral, Zé apresenta músicas feitas com Arnaldo Antunes (Porque Eu Estou Aqui) e Pedro Luís (Imbora - a música que dá título ao belo show).

25 de janeiro de 2010 às 17:26  
Blogger Mauro Ferreira said...

Baseado no repertório de um disco de voz-e-violão que vai ser lançado por Zé Renato neste ano de 2010, com produção do guitarrista Ricardo Silveira, o roteiro de Imbora pesca no baú nativo pérolas lapidadas originalmente em tempos idos de maior ingenuidade e poesia. É o caso da pueril Professora, parceria de Benedito Lacerda (1903 - 1958) e Jorge Farah que fez parte do repertório de Silvio Caldas (1908 - 1998) - cancioneiro, aliás, abordado por Zé Renato num dos discos mais festejados de sua obra fonográfica (Arranha-Céu, 1993). Por mais que Zé continue a produzir como compositor, seu gosto como intérprete parece situado em algum bom lugar do passado da música brasileira. O que explica a presença tanto de um tema pouco cantado de Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) - Aves Daninhas (1954), sucesso na voz soturna da cantora Nora Ney (1922 - 2003) - como de uma parceria obscura de Waly Salomão (1943 - 2003) com Carlos Pinto, Luz do Sol, entoada por Gal Costa em 1971 no célebre show Gal Fa-Tal - A Todo Vapor, transformado num dos discos mais emblemáticos da cantora. Sem nunca carregar nas tintas, Zé desfia com sua voz afinada o rosário de mágoas de Lupicínio com a mesma precisão com que sublinha toda a poesia contida no samba Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico). Às vezes, eleva um pouco o tom e esboça registro mais caloroso, como na supra-citada Luz do Sol. Mas sem nunca passar do ponto. Entre iluminada folia de reis composta com o parceiro Pedro Luís (Luz da Nobreza), nobre parceria com Milton Nascimento (Ânima), sucesso do Boca Livre (Quem Tem a Viola, sem pegada no registro minimalista de voz-e-violão) e marcha de Sérgio Sampaio (Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua), Zé Renato solta um grito gutural que introduz Kid Cavaquinho, samba de João Bosco e Aldir Blanc entremeado no roteiro de Imbora com outro samba da dupla de bambas, De Frente pro Crime. No fim, já no bis, Como Tem Zé na Paraíba (Catulo de Paula e Manezinho Araújo) - sucesso de Jackson do Pandeiro (1919 - 1982) - destila fina ironia, mostrando que, dentro da devoção às suas tradições, o canto de Zé Renato se revela elástico, sedutor e fluente em várias latitudes.

25 de janeiro de 2010 às 17:26  
Blogger Célia Porto said...

Admiro o trabalho do Zé Renato. Acompanhei, ainda quando estudante de música, toda a trajetória do Boca Livre, e também seu trabalho solo. Tenho Zé Renato como influência na boa colocação da voz e afinação. Gosto muito do trabalho cantando a jovem guarda.
Espero este Show.
Bjs com carinho.

25 de janeiro de 2010 às 18:41  
Anonymous Anônimo said...

Para mim, o Maior!

25 de janeiro de 2010 às 19:04  
Blogger Amigos das Bibliotecas said...

Já aguardo ansiosamente pelo disco desse que é o maior cantor do Brasil.

25 de janeiro de 2010 às 20:55  
Anonymous Anônimo said...

Zé Renato fez escola, Mateus Sartori, o novato, é maravilhoso como ele. Precisamos valorizar essas vozes tão lindas. Preconceito nã vale em arte, ou melhor, preconceito não vale em todos os lugares.

25 de janeiro de 2010 às 21:12  
Anonymous Denilson said...

Oi, Mauro

Apenas a título de informação, mas hoje (25/01/2010) foi a última apresentação desse show maravilhoso no Centro Cultural Carioca.

Na sexta-feira passada, 22/01/2010, ele ainda fez outro show primoroso com o Boca Livre no Teatro Rival.

Zé Renato não é pouca coisa não.. rsrs

abração,
Denilson

25 de janeiro de 2010 às 23:05  
Blogger Mauro Ferreira said...

Denilson, grato pela informação, mas a filipeta do show informa que a temporada vai até 1º de fevereiro. Talvez por conta do pouco público - efeito da divulgação precária do show - a temporada tenha sido abreviada, mas, a rigor, ela iria até dia 1º. Abs, MauroF

26 de janeiro de 2010 às 09:29  
Anonymous Denilson said...

Oi, Mauro.

Eu sei que a divulgação do show informava a permanência até 01/02/2010. Infelizmente não foi possível. Está cada vez mais difícil se manter um show sem patrocínios no Rio de Janeiro.

abração e parabéns pela bela resenha.
Denilson

PS: você já ouviu o trabalho do Mateus Sartori, bem lembrado pelo post anônimo acima?

26 de janeiro de 2010 às 10:51  
Blogger Mauro Ferreira said...

Denilson, grato por me alertar. Já corrigi o cabeçalho da resenha. Mas, convenhamos, difícil é manter uma temporada sem a mínima divulgação da existência do show. Muitos amigos meus, fãs do Zé, ficaram surpresos quando informei que havia um novo show dele em cartaz. Pena. A propaganda continua sendo a alma do negócio. Abs, MauroF

26 de janeiro de 2010 às 11:33  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, de novo parabens pela belissima critica do show do Ze que pra mim depois do Milton Nascimento e a maior voz brazuca, mas discordo quando vc diz que o " o violao nao chega a ser tao exepcional como a voz". O Ze e um puta violonista, harmonizador de primeira, bom gosto ao explorar acordes dificeis, aranhas, cordas soltas. As composicoes dele dizem por si. Sao sempre musicas elaboradissimas, harmonica e melodicamente. Coincidentemente semana passada ele falou no face book do reencontro com o violao, com o estudar, o prazer de estar tocando violao justamente por estar numa temporada de violao e voz que nao e facil. O set list dito por vc e a prova de que se nao for bom de violao, nao vai. Quem toca, sabe. Valeu. Abc a todos.

27 de janeiro de 2010 às 01:14  
Blogger CN said...

Não posso deixar de registrar aqui meu carinho e admiração pelo Zé Renato, que é uma das minhas maiores influências. Um cantor excepcional, de afinação impecável, extensão rara e timbre único. Voz de água, como disse o grande Hermínio Bello de Carvalho. Desejo a ele sucesso e reconhecimento em todas as suas iniciativas e projetos. Tomara que ele venha logo a SP. Grande abraço a todos, Carlos Navas

29 de janeiro de 2010 às 07:09  

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