31 de outubro de 2009

Filme não mensura força musical de Chacrinha

Resenha de Documentário
Título: Alô, Alô, Terezinha!
Direção: Nelson Hoineff
Cotação: * *
Em cartaz nos cinemas desde 30 de outubro de 2009

Fenômeno massivo de comunicação na TV dos anos 70 e 80, o apresentador Abelardo Barbosa (1917 - 1988), o Chacrinha, teve força incomum no mercado fonográfico brasileiro na época em que reinou com seu programa de anarquia tropicalista. Como relatam com certa nostalgia cantores como Fafá de Belém no documentário Alô, Alô, Terezinha!, em cartaz nos cinemas brasileiros desde 30 de outubro de 2009, apresentar uma música no programa do Chacrinha era quase sempre a forma mais rápida de emplacar um hit em escala nacional. Infelizmente, o filme de Nelson Hoineff não dimensiona o poder de Chacrinha na música e na televisão. O diretor preferiu focar e explorar a miséria humana, expondo na tela o ridículo de ex-calouros e a fase crespuscular de ex-chacretes. Nada é dito sobre a origem de Chacrinha. Nada é revelado sobre sua biografia bastante peculiar. A rigor, Alô, Alô, Terezinha! é um filme mais sobre as personagens que habitavam o mundo bizarro do apresentador - ou seja, os calouros e as chacretes - do que sobre o comunicador. Assunto não iria faltar. Figura polêmica, Chacrinha sabia usar a seu favor o poder que estava em suas mãos. Em troca de aparições em seu programa, artistas em início de carreira - e mesmo veteranos sem prestígio - eram obrigados a fazer shows com as chacretes por clubes das periferias. Era a moeda de troca, complementada pelo corriqueiro jabá. Quem se recusasse a pagar não ia para o trono. Mas Chacrinha era também amado porque, sem preconceitos, dava espaço em seus programas a cantores popularescos que - fora daquele circo - não teriam espaço nobre na TV. Daí as sucessivas declarações de amor e gratidão feitas no filme por nomes como Agnaldo Timóteo, Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. Até o arisco Roberto Carlos deu seu depoimento. Mas poucos vão além do clichê. Alceu Valença vai e defende a similaridade de Chacrinha com os velhos espirituosos (safados, na definição de Alceu) que comandam os pastoris nas ruas nordestinas. Muito mais havia para ser dito. Mas o diretor pareceu mais interessado em revelar ligações sexuais das chacretes com os cantores (há especulações sobre o caso nunca confirmado de Chacrinha com Clara Nunes). Não era preciso enfatizar tanto a miséria humana, pois a simples exibição das imagens dos programas - colhidas nos arquivos das TVs Globo, Tupi e Bandeirantes - expõe por si só na tela os efeitos devastadores do tempo. Sendo assim, Alô, Alô, Terezinha! não justifica a expectativa. Vai ser preciso um outro documentário que mensure corretamente a força e a importância de Chacrinha...

CD 'lounge' de novela projeta banda norueguesa

Pelo cronograma da gravadora Som Livre, nada menos do que quatro CDs com trilhas sonoras da novela Viver a Vida vão ser lançados até o fim da trama de Manoel Carlos. Dois já estão nas lojas. Simultaneamente com a seleção musical nacional, boa mas feita dentro dos padrões do gênero, a gravadora pôs no mercado o disco com uma segunda trilha temática, genericamente intitulada lounge. Com ousado repertório selecionado pelo diretor Jayme Monjardim, este CD reúne 18 fonogramas de artistas estrangeiros, em sua maioria licenciados pelo selo Lab 344. O clima é de chill out. Situada entre os gêneros lounge e ambient, a fina seleção tem projetado em escala nacional a banda norueguesa 3-11 Porter, cuja música Surround me with your Love é propagada quase diariamente na novela. Outro trunfo da inspirada trilha é Dante's Prayer, tema ouvido na voz da ótima cantora canadense Loreena McKennitt. Eis as 17 músicas do lindo CD Viver a Vida Lounge:
1. Dante's Prayer - Loreena Mckennit
2. Wish You Were Here - Bliss
3. Uninvited - Freemasons (com Bailey Tzuke)
4. King of Rome - Pet Shop Boys
5. How Many Loves - Naomi
6. My Funny Valentine - Living Theater (com P. Melas)
7. Message from the Universe - Yves Coignet
8. Surround me with your Love - 3-11 Porter
9. Lover's House - City Reverb
10. A New Planisphere - Al-Pha-X
11. Horizon - Paul Schwartz
12. For You To See - Markus Enochson (com Masaya)
13. Schwere Traume - Sarah Brightman
14. Pyramid - Yves Coignet
15. Gymnopedies 1 - Natasha Marsh
16. Lascia Ch'io Pianga - Paul Schwartz
17. Senorita Bonita - Tape Five

'Sete Chaves' tranca NX Zero no padrão de Rick

Resenha de CD
Título: Sete Chaves
Artista: NX Zero
Gravadora: Arsenal Music
/ Universal Music
Cotação: * * 1/2

Os 40 segundos de Vertigem, o tema instrumental que abre o quarto álbum do NX Zero, fazem supor uma guinada no som da banda mais popular entre os adolescentes do Brasil nos últimos anos. No entanto, logo na faixa seguinte - Só Rezo, rock de versos inconformistas, escritos pelo vocalista Di Ferrero após visita ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas situado em Vigário Geral, na periferia do Rio de Janeiro (RJ) - ouve-se o mesmo instrumental pesado que caracteriza as produções de Rick Bonadio e que se repete em faixas como Confidencial. Lançado neste mês de outubro de 2009, Sete Chaves tranca o NX Zero na mesma receita seguida à risca por Bonadio na produção das bandas de seu selo Arsenal. Prisão, aliás, já sinalizada pela melodiosa balada Espero a Minha Vez, eleita o primeiro single do álbum e em rotação nas rádios. Em que pese o charme das duas vinhetas inseridas entre as músicas cantadas (Interlúdio simula a grandiosidade de uma peça sinfônica), Sete Chaves não cativa de fato com o peso asséptico de seus pop rocks e com o tom de baladas como Mais Além e Zerar e Recomeçar. É CD trivial que não vai alterar no mercado fonográfico o status da discografia do grupo paulista - iniciada em 2004 com Diálogo? e projetada em 2006 com NX Zero, o primeiro álbum pilotado por Bonadio (que enquadrou no seu padrão as músicas do real - e hoje desconsiderado - CD de estreia da banda). Mas Sete Chaves vai encontrar seus admiradores entre os adolescentes que se deixam aprisionar pelo pop rock nacional veiculado via MTV nesta década em que o gênero já parece ter perdido o fôlego e o rumo no Brasil.

Cavallo concentra a energia emo do Paramore

Resenha de CD
Título: Brand New Eyes
Artista: Paramore
Gravadora: Warner Music
Cotação: * * * 1/2

Justiça seja feita, a despeito de ser encarado como um grupo dedicado a fazer pop emo para os adolescentes, o Paramore já mostra (alguma) evolução em seu terceiro álbum, Brand New Eyes, editado no Brasil neste mês de outubro de 2009. O álbum é coeso, enxuto e tem pegada. O produtor Rob Cavallo parece ter concentrado todas as energias do quinteto. Careful, Ignorance e Brick by Boring Brick são algumas faixas impregnadas desse jorro roqueiro de energia juvenil. E, no campo das baladas, dá para detectar real beleza em The Only Exception, faixa de clima folk, reeditado na delicada Misguided Ghosts, uma das agradáveis surpresas de um álbum de repertório autoral que, sim, representa upgrade na discografia do Paramore.

Memórias baladeiras de Mariah soam lineares

Resenha de CD
Título: Memoirs of an
Imperfect Angel
Artista: Mariah Carey
Gravadora: Island /
Universal Music
Cotação: * *

Mariah Carey baixou o tom. Quem ouvir, por exemplo, a balada Angels Cry - uma das 21 faixas do 12º álbum de estúdio da artista - vai perceber de imediato que a cantora já não faz questão de exibir gratuitamente sua artilharia vocal. Contudo, Memoirs of an Imperfect Angel decepciona com sua coleção de baladas que se confundem umas com as outras. Em tese, a ideia de Mariah foi fazer um álbum mais confessional - quase conceitual - sobre amores e perdas. Na prática, há alguma evolução nas letras, mas o som em si é enjoado. Mais calmo, sem o tom frenético do anterior E=MC 2 (2008), o disco é extremamente linear. Salvo os bissextos flertes com a pegada do rap (como em More than Just Friends) e os quatro remixes do fracassado primeiro single, Obsessed, o que se ouve é uma sucessão de baladas medianas - como, entre outras, Ribbon, Inseparable e H.A.T.E.U. - temperadas com doses maiores ou menores de r & b. Como a produção - assinada pela própria Mariah em parceria com C. Tricky Stewart & Terius The Dream Nash - pouco ou nada faz para atenuar as semelhanças entre elas, o álbum fica repetitivo. O que justifica a recepção morna com que foi recebido nas paradas norte-americanas (na Inglaterra, o lançamento está previsto para novembro). Tanto que a gravadora Island teve que recorrer ao sucesso do grupo Foreigner nos anos 80, I Want to Know What Love Is, para tentar salvar a pátria. Mas a eleição do cover como segundo single pouco alterou o panorama desfavorável. As atenções atualmente se voltam para H.A.T.E.U. - a canção escolhida para ser o terceiro single. A faixa já mereceu um remix, vazado na internet neste mês de outubro de 2009. Mas o fato é que, decorrido mais de um mês do lançamento do álbum nos Estados Unidos, as memórias baladeiras de Mariah Carey parecem não ter causado o barulho esperado pelo mercado.

30 de outubro de 2009

'Indies' realçam farto tributo aos 100 de Ataulfo

Resenha de CD
Título: Ataulfo Alves - 100 Anos
Artista: Vários
Gravadora: Lua Music
Cotação: * * 1/2 (CD 1) e * * * * (CD 2)

Fala-se pouco de Ataulfo Alves (1909 - 1969). Ouve-se menos ainda a obra do compositor. Daí que o CD duplo editado pela Lua Music em tributo ao centenário de nascimento do artista é título de valor porque joga luz sobre um repertório que - com exceção dos clássicos - já caía em completo esquecimento. Ataulfo Alves - 100 Anos reúne regravações de 34 músicas do compositor em dois volumes vendidos separadamente ou em embalagem dupla. O CD 1 agrega nomes da velha guarda da MPB. O CD 2, superior, enfileira artistas da cena indie e - talvez por isso - aborde a obra de Ataulfo Alves com mais frescor. E com doses salutares de ousadia.
No CD 1, Elza Soares pulsa contemporânea Na Cadência do Samba (1962) enquanto Elba Ramalho cai até bem no suingue de Mulata Assanhada (1956) sem a habitual pegada nordestina de seu trabalho. Já Virgínia Rosa apresenta a capella a introdução obscura de Você Passa, Eu Acho Graça (1968). Se Ângela RoRo cai no samba em Fim de Comédia (1951), Fafá de Belém ambienta Errei Sim (1950) na atmosfera do samba-canção. Por sua vez, o fraseado límpido de Ná Ozzetti apara os excessos de sentimentos nostálgicos de Meus Tempos de Criança (1963) enquanto o samba chama Zezé Motta para defender Cabe na Palma da Mão (1967). Já Alaíde Costa remói Infidelidade (1947) no tom camerístico do piano de André Mehmari. A boa surpresa é Amelinha, a cantora cearense de sucessos como Frevo Mulher. Ela entoa com ternura a canção À Você (1936). Infelizmente, o produtor Thiago Marques Luiz foi bem pouco rigoroso na escalação do elenco do CD 1, completando o time com intérpretes (Adeílton Alves, Edith Veiga e Luiz Ayrão, entre outros) que nada acrescentam às músicas que revivem. Ataulfo merece regravações como a feita pelo Língua de Trapo, grupo que trata Desaforo Eu Não Carrego (1961) com graciosa irreverência. É um fecho de ouro para o irregular disco 1!
É no CD 2 que a obra de Ataulfo é abordada com criatividade e sem mofo. O tratamento instrumental dado pela Banda Dona Zica a Errei Erramos (1938) - samba solado por Luiz Melodia - já vale o disco. Já a guitarra de Rovilson Pascoal revitaliza Ai, que Saudade da Amélia (1941), a obra-prima, confiada a Márcia Castro. Anelis Assumpção mostra em Bom Crioulo (1959) que é cantora apta a ganhar projeção nacional. Já Verônica Ferriani acende Pavio da Verdade (1949) com exata compreensão da amargura dos versos do compositor. É interpretação condizente com o culto que já se insinua em torno da cantora. No mesmo alto nivel situa-se o canto de Mateus Sartori em Meu Lamento (1955), faixa adornada pelo violão de Alessandro Penezzi. Sartori consegue se equiparar a um cantor craque, Marcos Sacramento, intérprete de Meu Pranto Ninguém Vê (1938) ao lado do grupo de choro Ó do Borogodó. Por sua vez, o Quinteto em Branco e Preto aborda com propriedade Na Ginga do Samba (1964) - um sambão que nada fica a dever aos clássicos de Ataulfo - enquanto Edu Krieger se exercita como cantor em Faz Como Eu (1943) e Rômulo Fróes refina Sei que É Covardia (1938) no tom cool de sua obra fonográfica. Detalhe: o Quinteto em Branco e Preto também fornece a base para o dueto de Beth Carvalho com sua filha, Luana, em Leva meu Samba (1940), faixa que abre o CD 2 mais pela presença luxuosa de Beth. Já Silvia Machete mostra em Lírios do Campo (1950) que é cantora capaz de prender o ouvinte sem a mise-en-scène do palco. Inspirado em ideia executada pelo diretor Túlio Feliciano no show Leva meu Samba (1984), que reuniu Elizeth Cardoso (1920 - 1990) e Ataulfo Alves Jr. em torno da obra do compositor, o arranjo de Lírios do Campo traz a música para o universo do fado, evocado pela guitarra portuguesa de Mário Rui. Por fim, há as abordagens moderninhas de Oh seu Oscar (1939) e O que É que Há? (1962) feitas, respectivamente, por Wado & Graziela Medori e por Cérebro Eletrônico (com adesão de Maria Alcina). Enfim, o CD 2 dá outros olhares à música de Ataulfo Alves e transcende o valor documental de tributos do gênero porque soa de fato interessante.

Ulhoa preserva fofura pop de Érika em bom CD

Resenha de CD
Título: Bem me Quer
Mal me Quer
Artista: Érika Machado
Gravadora: Nenhuma
Cotação: * * * 1/2

Érika Machado foi uma das boas surpresas do mercado fonográfico em 2006 com seu segundo disco, No Cimento, saudado como o primeiro porque o álbum que - a rigor - marcou a estreia da cantora e compositora mineira, O Baratinho (2003), foi gravado e vendido de forma artesanal, tendo tido existência semi-oficial. Três anos depois de chamar relativa atenção com No Cimento, Érika volta à cena com seu terceiro álbum, Bem me Quer Mal me Quer, gravado com o patrocínio da Petrobrás e editado de forma independente neste mês de outubro de 2009. A artista acerta ao confiar novamente a produção a John Ulhoa. O pop de Érika é fofo e Ulhoa sabe preservar e acentuar no disco essa fofura, perceptível tanto no piano de brinquedo que introduz Solitária Secretária da Agência de Turismo como na textura lúdica do arranjo de Control Z. Isso para não citar os desenhos (feitos por Érika) que ilustram a capa e o encarte do disco. É fato que a artista retorna ligeiramente menos inspirada do que em No Cimento, mas sua música - que adquire textura roqueira em O Menino Perfeito - continua graciosa. Do repertório autoral de Érika, composto em parceria com Cecília Silveira, os destaques são as canções Tão Longe e Sei Lá, esta um hit radiofônico em potencial, criado com a adesão de John Ulhoa, autor solitário de outra faixa interessante, Plutônio Enriquecido. Com alta dose de melancolia nas letras antenadas e sensíveis, Bem me Quer Mal me Quer merece crédito, ainda que não cative tanto quanto No Cimento. Érika Machado tem o que dizer. E ela o diz com graça...

Tetê solta mais pássaros da garganta em 'Babel'

Resenha de CD
Título: Babel Eyes
- Musique des Langues
Vierges
Artista: Tetê Espíndola
e Philippe Kadosch
Gravadora: Multicrea
Cotação: * * *

Tetê Espíndola solta outros pássaros de sua garganta em Babel Eyes, disco gravado em 2008 em que retoma sua parceria com o compositor francês Philippe Kadosch, com quem dividiu em 2001 o CD Voz Voix Voice. Trabalho de difícil assimilação, posto que seu repertório foi todo criado por Kadosch a partir de fragmentos da prosódia de línguas mortas ou já em processo de extinção, Babel Eyes foi construído com sons extraídos do arsenal de uma orquestra formada por 12 músicos de diversas nacionalidades, sob a liderença de Kadosch. Além da voz aguda de Tetê, o Brasil contribui com os sons do percussionista Zé Eduardo Nazário Zen. A atmosfera é experimental. Se Mawaca propõe em sete longos minutos a interação do idioma Bantu com a linguagem digital dos bits, Kaprolin faz viagem pelos sons de arcaica escrita silábica, originada na Ilha de Creta. Em alguns momentos, Babel Eyes remete à intrincada escritura sonora de Arrigo Barnabé, a quem - certamente não por acaso... - é dedicado o tema Indiu, erguido em Babel Eyes com base na língua da tribo Tupi em curiosa interação com a música indiana. Tudo soa meio estranho - e como não haveria de soar? - para ouvidos habituados aos sons das selvas das cidades. Contudo, há real inventividade no disco, ainda inédito neste mercado brasileiro tão pouco receptivo a Tetê.

Ilessi segue tradições da MPB no belo 'Brigador'

Resenha de CD
Título: Brigador - Ilessi
Canta Pedro Amorim e
Paulo César Pinheiro
Artista: Ilessi
Gravadora: CPC-Umes
Cotação: * * * * 1/2

Afirma Paulo César Pinheiro, em texto feito para o encarte do primeiro álbum de Ilessi, Brigador, que a cantora carioca começa bem. Embora suspeito, já que é um dos compositores da parceria celebrada no disco, Pinheiro tem razão ao listar adjetivos como "afinada", "segura" e "corajosa" quando se refere à intérprete diplomada pela professora Amélia Rabello na Escola Portátil (RJ). De fato, Ilessi se mostra afinada, segura e corajosa ao abordar a obra (bela e ainda pouco ouvida) composta por Paulo Pinheiro com o bandolinista Pedro Amorim, convidado afetivo do samba Julgamento. Já no afro-samba que abre e dá título ao ótimo CD, gravado em 2007 mas circunstancialmente lançado somente neste 2009 em que estão sendo festejados os 60 anos de Pinheiro, as qualidades vocais de Ilessi saltam aos ouvidos com seu timbre que evoca ligeiramente o de Maria Rita. Entre o suingue nordestino de Barraqueiro de Caruaru e a melancolia de Ponto de Punhal (choro no qual a aluna já profissional dueta com a professora Amélia Rabello ao som da flauta chorosa de Marcelo Bernardes), a voz de Ilessi realça a poesia lírica da canção Olhos Azuis, se embrenha pelos campo na toada A Pena do Sabiá (faixa em que a viola de João Lyra acentua o clima ruralista) e sustenta bem o tom camerístico de Serena, valsa-canção que conta com o piano e o arranjo de Cristóvão Bastos (nas demais faixas, os bons arranjos são de Luis Barcelos, produtor do CD ao lado da própria Ilessi). No fim, tudo acaba em samba. Sestrosa tem balanço buliçoso que evoca as rodas baianas. Linha de Caboclo - o tema veloz que Maria Bethânia acabou tendo a primazia de apresentar no recém-editado álbum Encanteria - reforça o elo afro de Amorim e Pinheiro. Já A Sina do Negro destila o orgulho da raça no compasso majestoso de um samba-enredo. Todo gravado à moda tradicional, sem concessão aos sons eletrônicos que adornam a atual música brasileira, Brigador segue tradições da MPB e põe a promissora Ilessi na briga pelo título de intérprete de um dos melhores discos deste ano de 2009.

Sai no Brasil gravação ao vivo de Avril de 2004

(Cerca de) um ano após a Sony Music ter lançado no Brasil The Best Damn Tour - Live in Toronto (2008), DVD que captou em alta definição show da turnê montada por Avril Lavigne para badalar seu terceiro álbum, The Best Damn Thing (2007), a empresa carioca Coqueiro Verde edita no mercado nacional, nos formatos de CD e DVD, Live in Seoul, gravação ao vivo feita por Avril na Coréia do Sul, em agosto de 2004, quando ela já cantava em shows as músicas de seu segundo álbum, Under my Skin (2004), representado no roteiro por faixas como He Wasn't, Take me Away, Don't Tell me e Freak out. Sem esquecer os hits do primeiro álbum, Sk8er Boi e Complicated, a cantora engata no fim um cover de Knocking on Heaven's Door, de Bob Dylan. Live in Seoul chega ao Brasil enquanto Avril finaliza seu quarto álbum, previsto para 2010. De acordo com a artista, este disco tem som mais acústico, que a distancia do universo do rock.

29 de outubro de 2009

Salada franco-carioca de 'Oui' tem até Gretchen

Resenha de Musical
Título: Oui, Oui... A França É Aqui
Texto: Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche
Direção: João Fonseca
Elenco: César Augusto, Cristiano Gualda, Gottsha,
Gustavo Gasparani, Marya Bravo e Solage Badim
Foto: Divulgação / Dalton Valério
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro

Após pintar o retrato do casal Cabrocha e Malandro com vários matizes do samba no musical Opereta Carioca (2008), o ator e dramaturgo Gustavo Camparini revive o Teatro de Revista em seu sagaz terceiro texto, escrito em parceria com Eduardo Rieche. Em cartaz no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro (RJ), Oui, Oui... A França É Aqui realça com humor debochado e ferino a influência da música francesa no universo da canção brasileira da primeira metade do século 20. O roteiro alinha 45 músicas, numa salada franco-carioca temperada até com o erotismo de Gretchen, de cujo repertório os autores pinçam Je Suis la Femme (Melô do Piripipi), tema creditado a Gretchen no programa do espetáculo, mas, a rigor, composto por Mister Sam, produtor que a descobriu. Je Suis la Femme é entoada por Gottsha num tom inicialmente opertístico que logo cai no deboche, a marca principal do musical.

A música pontua todo o espetáculo, à moda do Teatro de Revista, mas a espinha dorsal do texto é a trama de antiga comédia de França Jr. intitulada O Tipo Brasileiro. História que serve de pretexto para a criação de quadros que saltam aleatoriamente no tempo e no espaço sem a preocupação com o nexo. O riso é o objetivo. Entre piadas de caráter sócio-político, o roteiro inclui até sucesso de Manu Chao, representado por espirituosa versão de Clandestino. O elenco entra no espírito e no tom carioca do texto com desenvoltura. Contudo, na parte musical, o trio feminino (Gottsca, Marya Bravo e Solagem Badim) ofusca o masculino (César Augusto, Cristiano Gualda e Gustavo Gasparani - com certo destaque para a voz de Gualda). Pena que Marya Bravo não tenha grandes oportunidades. Já Gottsha as tem e aproveita todas elas, marcando presença em números maliciosos como La Choupetta, que vem a ser a versão feita por Maurice Chevalier (1888 - 1972) para a célebre marchinha Mamãe Eu Quero (Vicente Paiva e Jararaca, 1937). Vivaz, o musical ganha brilho todo especial nos números coletivos como Cabelo no Pão Careca, hilário samba de Barbeirinho e Rodi do Jacarezinho, extraído do repertório de Zeca Pagodinho. A direção de João Fonseca entende e explora o non-sense que rege o texto e o roteiro, que, entre hits de Edith Piaf (1915 - 1963), pesca no baú brasileiro pérolas como Paris (Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho), O Baião em Paris (Humberto Teixeira) e O Rei do Creoléu (Ou Grand Monde do Creoléu), tema tão obscuro como espirituoso de Ary Barroso (1903 - 1964). Daí o êxito desse musical que cativa pelo seu humor anárquico e afiado.

Romantismo de Fábio Jr. adquire tom sertanejo

Romântico, o disco de Fábio Jr. que a Sony Music vai pôr nas lojas em novembro de 2009, abre com uma versão do primeiro sucesso de Norah Jones, Don't Know Why, que virou Amar É Perdoar na letra em português. Há também uma versão de When a Man Loves a Woman, intitulada Quando um Homem se Apaixona. Mas a maior parte do repertório é composta por regravações de hits sertanejos. O cantor revive É o Amor, Estrada da Vida, Cabecinha no Ombro, Telefone Mudo, Fio de Cabelo, Rio de Piracicaba e Cabocla Tereza, entre outras belas músicas projetadas por novas e antigas duplas sertanejas. A seleção inclui No Rancho Fundo, a parceria de Ary Barroso (1903 - 1964) e Lamartine Babo (1904 - 1963) que foi (bem) revivida por Chitãozinho & Xororó em 1989. Românticos, de Vander Lee, é a faixa que encerra o álbum, cujo repertório rebobina Alma Gêmea.

'Party' coleta hits dos Boys somente para Brasil

Por conta da quarta vinda dos Pet Shop Boys ao Brasil neste mês de outubro de 2009, para quatro apresentações da bela Pandemonium on Tour, a gravadora Som Livre está lançando coletânea da dupla britânica. A curiosidade é que Party é compilação inédita produzida com exclusividade para o mercado brasileiro, já incluindo entre as 16 faixas músicas do último álbum dos boys, Yes, lançado em março. São os casos de Love etc. e King of Home. Eis a seleção do disco Party - nas lojas a partir de 4 de novembro:
1. West End Girs (10" Mix)
2. Love Comes Quickly
3. Paninaro (7" Mix)
4. It's a Sin (Disco Mix)
5. What Have I Done to Deserve This?
6. Always on my Mind (Extended Dance Version)
7. Domino Dancing
8. It's Alright (7" Version)
9. Being Boring
10. Go West
11. Before (Single Edit)
12. New York City Boy
13.Home and Dry (Radio Edit)
14. Minimal (Radio Edit)
15. Love etc.
16. King of Home

Ed Motta lança 'Mensalidade' em 'single' virtual

Enquanto a (gravadora) Trama não põe nas lojas seu décimo álbum, Piquenique, previsto para novembro de 2009, Ed Motta lança uma das faixas do CD, Mensalidade, no formato de single digital. A música já pode ser baixada, de forma legalizada e gratuita, até 4 de novembro no site oficial da empresa Audi Brasil, parceira da Trama na ação virtual. Depois dessa data, o download vai poder ser feito somente no portal Álbum Virtual, da Trama. Mensalidade é uma parceria de Ed com sua mulher, Edna Lopes, co-autora de quase todas as letras do álbum. A exceção é Nefertiti, feita por Ed com Rita Lee. A faixa-título de Piquenique conta com a voz de Marya Bravo. Já Maria Rita participa da música A Turma da Pilantragem. Com inéditas como Pé na Jaca, o disco foi produzido pelo próprio Ed, ao lado de Silvera, co-produtor do CD.

CD Elas Cantam Roberto erra ao creditar faixas

Perfeccionista ao extremo na finalização de seus discos, Roberto Carlos deixou passar dois erros no encarte do CD Elas Cantam Roberto Carlos, já á venda, precedendo o DVD homônimo que a Sony Music põe nas lojas no início de novembro de 2009 com o registro ao vivo do show em que 20 cantoras abordaram o repertório do Rei. Ao informar os anos em que as músicas foram lançadas, o encarte do CD credita Proposta - canção originalmente gravada por Roberto em seu álbum de 1973 - ao ano de 1988. Já Se Você Pensa, clássico de 1968, é creditado a 1993. O erro aconteceu porque o Rei regravou as duas músicas nos respectivos anos informados no encarte - o que propiciou a confusão de datas.

Morte de Mercedes traz 'Cantora' para o Brasil

Lançado na Argentina no primeiro semestre de 2009, o último álbum de Mercedes Sosa (1935 - 2009) - Cantora, projeto de duetos desmembrado em dois volumes vendidos separadamente - permanecia sem edição nacional. Contudo, a morte da intérprete em 4 de outubro, aos 74 anos, motivou a gravadora Sony Music a lançar Cantora no Brasil em novembro de 2009. No caso, numa edição dupla que agrega CD (com 19 faixas selecionadas entre os 35 fonogramas dos dois volumes) e DVD (com 16 vídeos captados no estúdio durante a gravação do álbum produzido por Popi Spatoko com direção artística de Afo Verde e Rafa Vila). Entre as faixas da edição nacional de Cantora, figuram - tanto no CD como no DVD - os duetos de Mercedes com Caetano Veloso e Daniela Mercury. Com Caetano Veloso, Mercedes revive a canção de 1967 Coração Vagabundo em encontro retratado na foto acima por Fabián Maltus, filho da intérprete. Com Daniela, o dueto acontece em O Que Será? - a música de Chico Buarque que também integra o repertório do novo álbum da artista baiana, Canibália, aliás já editado na Argentina (e em Portugal), mas ainda inédito no Brasil.

Registro ao vivo de Mraz sai em kit de CD/ DVD

No embalo da vinda do cantor e compositor Jason Mraz ao Brasil em novembro de 2009 para shows, a gravadora Warner Music põe nas lojas o kit de CD e DVD Beautiful Mess - Live on Earth. Trata-se do registro ao vivo do show da turnê de lançamento do álbum anterior do artista, We Sing. We Dance. We Steal Things (2008), cujo fino repertório destacou músicas como a irresistível Lucky. A propósito, a cantora Colbie Caillat bisa na versão ao vivo da faixa o duo feito com Mraz no disco de estúdio. O show perpetuado em Beautiful Mess - Live on Earth foi captado em 13 de agosto de 2009 no Charter One Pavilion, em Chicago (EUA). O CD inclui 16 músicas do roteiro do show. A esse repertório, foram adicionados no DVD a música Fall Through Glass, o documentário Un Beau Désordre e uma seção de clipes (We Sing. We Dance. We Make Videos). Nas lojas já em novembro.

28 de outubro de 2009

This Is It faz supor que Michael iria voltar rei

Resenha de Filme
Título: Michael Jackson - This Is It
Direção: Kenny Ortega
Cotação: * * * *
Em cartaz dos cinemas desde 28 de outubro de 2009

Lançado nos cinemas em escala mundial nesta quarta-feira, 28 de outubro de 2009, o filme This Is It tem um clima de making of da turnê que Michael Jackson (1958 - 2009) estrearia em 13 de julho, em Londres, se não tivesse saído repentinamente de cena em 25 de junho, vítima de dose excessiva de anestésicos. Contudo, This Is It faz mais do que desvendar os bastidores do ensaio do show através de imagens gravadas entre março e junho de 2009. Por conta do vasto material captado pelas câmeras conduzidas pelo diretor Kenny Ortega, criador da turnê ao lado de Michael, o documentário consegue reconstituir o show e faz supor que a volta de Michael à cena seria apoteótica. Por mais que haja uma ou outra cena que revele a fragilidade do astro durante o processo ("Eu tenho que preservar a minha voz", pondera o cantor após ter se excedido nos improvisos finais da balada I Just Can't Stop Loving You), o filme leva a crer que o show iria repor Michael Jackson no trono do reino pop desocupado ao longo desta década.

Por mais que seu lançamento esteja envolvido por poderosa estratégia de marketing, This Is It consegue transcender as questões mercadológicas e até emocionar ao passar para o espectador clara ideia do que seria a superprodução abortada com a morte de Michael. Os números são apresentados na sequência idealizada para o roteiro, com direito às coreografias dos 11 bailarinos (o filme é introduzido com série de depoimentos apaixonados dos candidatos que se apresentaram para os testes de seleção) e às projeções. Em Smooth Criminal, por exemplo, Michael contracenaria virtualmente com Rita Hayworth (1918 - 1987) no filme Gilda (1946), em clima de thriller noir. Thriller - a música que deu título ao emblemático álbum de 1982 - seria revivida com adição de imagens produzidas em 3D com a estética aterrorizante do histórico clipe do tema. A sequência é arrepiante.

This Is It revela a relação de (aparente) respeito mútuo que envolvia Michael e o diretor Kenny Ortega. Cada ideia ou proposta é feita por Ortega com certo cuidado. A julgar pelas imagens exibidas no filme, o astro-rei parece dócil. Mas sem deixar de se impor. "Tem que ser igual ao disco", determina para o pianista e diretor musical do show ao discutir os tons da balada The Way We Make me Feel. "Parece que alguém está apunhalando o meu ouvido...", reclama, enquanto ensaia Stop! The Love You Save, tema incluído em bloco emotivo que revive a era infanto-juvenil de Michael no conjunto Jackson 5. A propósito, é perceptível que, em I'll Be There, o reforço de um dos quatro backing-vocals seria determinante para o êxito do belo número. Seja como for, Michael Jackson está morto e sua morte encerra um capítulo da história do pop que This Is It não pode mais alterar. Contudo, as imagens grandiosas do documentário sinalizam que havia vida no Rei do Pop naqueles ensaios. E, por mais que o filme tenha sido finalizado com truques de edição, o que se vê é um artista ainda no domínio do exercício de sua arte. E é por isso que - enquanto rolam os créditos finais, ao som da inédita música-título - This Is It deixa a incômoda sensação de que Michael Jackson partiu cedo demais.

Poesia e melancolia na voz (vitoriosa) de Teresa

Resenha de Show - Gravação de DVD
Título: Melhor Assim
Artista: Teresa Cristina & Grupo Semente
Local: Espaço Tom Jobim (RJ)
Data: 27 de outubro de 2009
Fotos: Mauro Ferreira
Cotação: * * * 1/2
Não foi por acaso que Teresa Cristina abriu o seu segundo registro ao vivo de show, Melhor Assim, com o canto a capella de A Voz de uma Pessoa Vitoriosa, a parceria de Caetano Veloso com Waly Salomão (1943 - 2003). Parafraseando os versos finais postos pelo poeta na música lançada por Maria Bethânia em 1978, a voz calma de Teresa deixa transparecer sua forma de ser e de viver. Voz microfônica, como ela acentuou com graça no compasso veloz de O Que Vier Eu Traço, o samba cheio de bossa que Alvaiade e Zé Maria lançaram em 1945 e que Teresa reviveu com insuspeita desenvoltura na noite de 27 de outubro de 2009 no inédito show idealizado para originar seu terceiro DVD, gravado com o fiel Grupo Semente no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ). Foi da sua forma que Teresa venceu no mercado fonográfico, egressa da Lapa, o revitalizado celeiro de bambas cariocas. E foi da sua forma que ela gravou seu DVD, arriscando novos tons e ares ao recontar A História de Lily Braun (Chico Buarque e Edu Lobo, 1983), mas sem deixar de ser fiel ao seu universo. Mundo em que habitam a Portela (abordada com devoção na letra de Um Samba de Amor), Paulinho da Viola (representado por Cantando, tema de 1976 que não teve todo seu brilho realçado pelo registro de Teresa), a fé nos orixás (Capitão do Mato é saudação a Oxossi feita na cadência do afro-samba) e a admiração por antecessoras como Clara Nunes (1942 - 1983), de cujo álbum Claridade (1975) a cantora pescou a pérola Tudo É Ilusão, lindo samba que encara com resignação o fim do amor. Tudo soou em harmonia no show...
Ao longo de roteiro que alterna inéditas e regravações, a voz de Teresa Cristina destila poesia e melancolia. Não é por acaso que um dos novos sambas da lavra autoral da artista se chama Poesia. Não é à toa também que Convite à Tristeza é o título de outro, alinhado sintomaticamente com A Felicidade (o clássico de Tom Jobim & Vinicius de Moraes retomado com a pegada do samba tradicional, sem a bossa que não pertence ao mundo de Teresa). E foi assim que, com poesia embebida em melancolia, Teresa pôs seu bloco na rua. Bloco que - verdade seja dita - saiu sem muita empolgação no início. Sambas como Maria Joana (Sidney Miller, 1967) pareceram fora da ordem natural. Mas, aos poucos, Teresa foi entrando no tom. Após o bis, quando repetiu alguns sambas, foi possível detectar beleza em Bonifácio, samba que perfila o trágico personagem-título, o bamba da cuíca na favela que, vítima de desilusão amorosa, entrega-se à cachaça e encontra a morte numa esquina da Lapa. A mesma Lapa que, no inédito grande samba de Adriana Calcanhotto, Beijo Sem, é cenário de outra ressaca amorosa, mas esta com final feliz para a personagem feminina que se entrega com prazer e sem culpas à orgia. Com ares de Velha Guarda, Beijo Sem foi valorizado pela participação da sempre elegante Marisa Monte (na voz e no ukelele) e pela adesão de Pedro Baby (violão). As vozes de Marisa e Teresa casaram bem.
Antes de Marisa, foi a vez de Seu Jorge entrar em cena para fazer dueto com Teresa em Pura Semente, samba de Arlindo Cruz e Acyr Marques em que brota a poética melancolia que pontua o roteiro do show Melhor Assim, cujo samba-título foi fornecido por Nei Lopes e Cláudio Jorge. Entre lampejos de descontração (Couve É Nome de Maria, partido de quilate não tão alto) e fé na vida (Morada Divina, inspirado samba inédito de Teresa e Arlindo Cruz), salta aos ouvidos a beleza de Guardo em mim, parceria inédita da sambista com Edu Krieger. Primeiro grande momento da gravação ao vivo, Guardo em mim é joia de delicadeza poética e melódica que, ao lado de Morada Divina e Beijo Sem, forma a santíssima trindade de inéditas do roteiro, encerrado com um pot-pourri de sambas-de-roda à moda baiana. No todo, Melhor Assim deixa a boa impressão de que, por mais que ouse aqui e acolá, Teresa Cristina já sabe qual é seu (bonito) lugar no mundo...

Teresa e Marisa em (grande) samba de Adriana

Unidas pela devoção à Portela, Marisa Monte e Teresa Cristina surpreenderam o público que compareceu à gravação do DVD Melhor Assim - feita por Teresa na noite de 27 de outubro de 2009 em show no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ) - ao cantar em dueto um samba inédito de Adriana Calcanhotto. Beijo Sem foi gravado com a adesão de Pedro Baby ao violão. Trata-se de grande samba de Calcanhotto, uma das melhores músicas da compositora nos últimos anos. A melodia evoca a aura nobre dos sambas da Velha Guarda enquanto a letra - em que Adriana usa poética contemporânea para contar a história da mulher que, ao sofrer desilusão amorosa, se entrega com prazer à orgia na noite da Lapa - celebra o universo de boemia que ambientava boa parte dos sambas feitos na primeira metade do século 20. As vozes de Teresa e Marisa (em fotos de Mauro Ferreira) se uniram em harmonia no envolvente refrão. Ao chamar a colega para dividir o palco com ela, Teresa explicou que Marisa era a musa e a dona do samba de Calcanhotto. Além de cantar, Marisa - que lançou em 2006 o primeiro samba de Calcanhotto, Vai Saber, destaque do disco Universo ao meu Redor - tocou seu ukelele. Foi Luxo só!

Teresa alinha Chico, Krieger e Caetano em DVD

Com o auxílio de algumas plumas, Teresa Cristina esboça ares de diva e crooner de dancing na foto acima, clicada na gravação do DVD Melhor Assim enquanto a cantora recontava A História de Lily Braun, criada por Chico Buarque e Edu Lobo para a trilha sonora do balé O Grande Circo Místico (1983). De atmosfera bluesy, inusitada no universo da sambista, o número foi uma das surpresas do show apresentado por Teresa no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 27 de outubro de 2009. Inédito, o show foi gravado pela EMI Music para ser editado em DVD e CD ao vivo. Batizado com o nome de um samba de Nei Lopes e Cláudio Jorge, o registro ao vivo alinha no repertório músicas de Tom Jobim & Vinicius de Moraes (A Felicidade, 1959), Caetano Veloso (A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa, parceria com Waly Salomão, lançada em 1978 por Maria Bethânia), Paulinho da Viola (Cantando, de 1976) e Edu Krieger (Guardo em mim, inédita e linda parceria com Teresa). Eis roteiro do show Melhor Assim:
1. A Voz de uma PessoaVitoriosa (CaetanoVelosoeWalySalomão)
2. Maria Joana (Sidney Miller)
3. Cantando (Paulinho da Viola)
4. Poesia (Teresa Cristina)
5. Bonifácio (Márcio Valverde, Luciano Cardoso e Colavolpe)
6. Um Samba de Amor (Teresa Cristina)
7. Pura Semente (Arlindo Cruz e Acyr Marques) - com Seu Jorge
8. Má Impressão (Teresa Cristina)
9. Couve É Nome de Maria (Teresa Cristina)
10. Melhor Assim (Nei Lopes e Cláudio Jorge)
11. Guardo em mim (Teresa Cristina e Edu Krieger)
12. Lembrança (Teresa Cristina)
13. Beijo Sem (Adriana Calcanhotto) - com Marisa Monte e Pedro Baby
14. A História de Lily Braun (Chico Buarque e Edu Lobo)
15. O Que Vier Eu Traço (Alvaiade e Zé Maria)
16. Tudo É Ilusão (Eden Silva, Raul Moreno e Aníbal Silva)
17. Convite à Tristeza (Teresa Cristina)
18. A Felicidade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)
19. Capitão do Mato (Teresa Cristina)
20. Morada Divina (Teresa Cristina e Arlindo Cruz)
Bis
21. Pot-pourri de sambas de roda
Repetições
22. A História de Lily Braun (2 x)
23. Bonifácio
24. Lembrança
25. O Que Vier Eu Traço
26. Convite à Tristeza
27. A Felicidade

Teresa revive lindo samba de Arlindo com Jorge

Dois anos depois de reviver samba de Monsueto (Me Deixa em Paz) com Seu Jorge para o disco Flores do Clube da Esquina, gravado em 2007, Teresa Cristina registrou em DVD um segundo dueto com o cantor em show apresentado no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 27 de outubro de 2009. Desta vez, Teresa e Jorge (em fotos de Mauro Ferreira) reviveram lindo samba de Arlindo Cruz e Acyr Marques, Pura Semente, lançado em 1989 por Marquinhos Satã. O número teve que ser repetido e, no segundo take, o dolente samba da dupla resultou mais sedutor.

Perfis de Duprat e Tiso abrem 'Aplauso Música'

Lançados em São Paulo (SP) nesta quarta-feira, 28 de outubro de 2009, os perfis biográficos de Wagner Tiso e Rogério Duprat (1932 - 2006) abrem a série Aplauso Música. Editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a coleção de biografias até então enfocava somente nomes de teatro, cinema e televisão. O livro de Tiso - Som, Imagem, Ação (capa à esquerda) - é assinado pela jornalista Beatriz Coelho e Silva. O de Duprat, Ecletismo Musical, foi escrito pelo professor Máximo Barro. Já estão previstos perfis de - entre outros - Alaíde Costa, Jair Rodrigues, Claudette Soares, Inezita Barroso e Sérgio Ricardo.

27 de outubro de 2009

Fall Out Boy lança duas inéditas em coletânea

O grupo norte-americano Fall Out Boy lança em 16 de novembro de 2009 sua primeira coletânea. O CD Believers Never Die - Greatest Hits apresenta duas inéditas, Alpha Dog e From Now on We Are Enemies, entre suas 18 faixas. Inédita escolhida para promover a compilação, Alpha Dog já está em rotação nas rádios dos EUA e no MySpace do grupo. Eis as (18) músicas da coletânea:

1. Dead on Arrival
2. Grand Theft Autumn
3. Saturday
4. Sugar, We're Going Down
5. Dance, Dance
6. A Little Less Sixteen Candles, A Little More Touch Me
7. This Ain't A Scene, It's An Arms Race
8. Thanks for the Memories
9. The Take Over, The Break's Over
10. I'm Like a Lawyer with the Way I'm Always Trying to Get You Off (Me & You)
11. Beat It
12. I Don't Care
13. Americas Suitehearts
14. What a Catch, Donnie
15. Alpha Dog
16. From Now on We Are Enemies
17. Yule Shoot Your Eyes out
18. Growing Up

Saura dá tom atual ao fado com beleza plástica

Resenha de Filme
Título: Fados
Direção: Carlos Saura
Elenco: Caetano Veloso, Camané, Carlos do Carmo,
Chico Buarque, Lila Downs, Mariza, NBC, Rui Veloso,
SP & Wilson e Toni Garrido, entre outros
Cotação: * * * *
Em cartaz nos cinemas brasileiros desde 16 de outubro

Depois de fazer filmes de grande apuro estético em torno dos mais globalizados ritmos da Espanha natal (Flamenco, 1995) e da Argentina (Tango, 1998), Carlos Saura explora as variações da música que identifica a alma melancólica e passional de Portugal. Tardiamente em cartaz no Brasil, depois de já ter sido até lançado em DVD no exterior, Fados (2007) aborda o gênero que lhe dá nome com a beleza plástica recorrente na filmografia do cineasta espanhol. Composto de uma sucessão de quadros musicais, vários ilustrados com a dança, Fados é festa para olhos e ouvidos, por mais que um ou outro número soe dispensável. Sem deixar de reverenciar os nomes tradicionais do gênero, os mortos e os vivos, Saura enfoca o fado com olhar mais contemporâneo, sem purismos. Tanto que recorre aos rappers NBC e SP & Wilson para prestar tributo a Alfredo Marceneiro (1891 - 1982), fadista pioneiro. Contudo, Saura jamais trai a essência do fado. Explodem na tela - em cores ora vivas, ora intencionalmente esmaecidas - a paixão e a melancolia que pontuam o gênero. A paixão é o mote de um dos números mais belos, Foi na Travessa da Palha, fado entoado pela mexicana Lila Down para reviver a voz e a figura de Lucília do Carmo (1920 - 1999), mãe do também fadista Carlos do Carmo, presente no filme ao lado de jovens colegas como Camané.

Ao investigar as origens e as ramificações do fado, Saura refaz o trajeto Portugal-Brasil e arregimenta Caetano Veloso, Chico Buarque e Toni Garrido. Forçando sotaque lusitano, o compositor de Os Argonautas explora seu falsete em Estranha Forma de Vida, tema do número que rende justas homenagens a Amália Rodrigues (1920 - 1999), diva maior do fado. Já Chico revive com elegante sobriedade seu Fado Tropical, lembrança de Saura do tempo em que a música era instrumento político. Enquanto Chico canta, sempre sóbrio, são projetadas imagens do documentário português As Armas e o Povo (1975), que enfoca a Revolução dos Cravos, ocorrida em 1974. Por fim, Toni Garrido é o cantor de número vivaz - o lundu Menina Você que Tem - em que Saura defende que o fado também teve origem nos ritmos do Brasil imperial. Como também bem pode ser uma variação da morna de Cabo Verde, mote de outro quadro. Por mais que Saura siga à risca sua receita estética em Fados, filme realizado inteiramente em estúdio, o resultado é plastica e musicalmente encantador para quem se deixa levar pela magia do fado, o blues de Portugal. Veja!

DVD de duos exibe última imagem de Simonal

Editada nos formatos de CD e DVD, via Universal Music, a (boa) coletânea Participação Especial - Duetos MPB inclui a última gravação oficial de Wilson Simonal (1938 - 2000), Lobo Bobo, feita com Sandra de Sá em 1997 para o disco Casa da Bossa. No caso do DVD, que apresenta 21 duetos, o vídeo exibe a que possivelmente seja a derradeira imagem ao vivo do cantor, revivido em 2009 em filme, discos e biografia. Na seleção, há os encontros de Djavan & João Bosco (Corsário), Paulinho da Viola & Zizi Possi (Só o Tempo), Miltinho & Ed Motta (Meu Nome É Ninguém), entre outros. DVD já inclui até o recente dueto de Zeca Pagodinho com Jorge Ben Jor (em Ogum).

Disco com trilha original de Fama volta às lojas

No embalo do remake do filme Fama, a gravadora Universal Music repõe em catálogo o CD com a trilha sonora da versão original, estreada nos cinemas em 1980 com direção de Alan Parker. A reedição atualmente enviada às lojas é exatamente a mesma de 2003, lançada via Warner Music. Tanto na parte gráfica (aliás, o encarte é farto de fotos e traz texto sobre o musical) como no belo repertório. A propósito, desde 2003, foram acrescentas três faixas-bônus à seleção original de Fama: a então inédita Miles from Here - faixa cantada por Paul McCrane, intérprete da balada Is It Okay If I Call You Mine? - e as versões instrumentais de Fame e Out Here on my Own, grandes hits do álbum na voz de Irena Cara, protagonista do filme de 1980, cuja seleção musical é superior à trilha modernosa do remake de 2009, já disponibilizada em CD via Universal Music.

DVD realça o brilho da 'estrela' Rufus no palco

Resenha de DVD
Título: Milwaukee at Last!!!!
Artista: Rufus Wainwright
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * *

Sim, Rufus Wainwright é uma estrela. Sobretudo no palco, quando brilha ao entoar ao piano (e ao violão) as suas líricas canções de espírito gay. Por isso mesmo, o DVD Milwaukee at Last!!! - captado em 27 de agosto de 2007 num teatro de Wisconsin (EUA), em show da turnê de lançamento do álbum Release the Stars (2007) - tem o mérito de realçar o brilho da estrela em cena. Release the Stars é um grande disco em que Rufus se permitiu dar até alguns toques políticos em Going to a Town, música que resulta sublime no show. Aliás, o fino repertório de Release the Stars é a base do roteiro de 23 músicas que inclui também temas dos álbuns anteriores do cantor. Com ares de Elton John e de Judy Garland (1922 - 1969), a quem presta apropriado tributo em If Love Were All, Wainwright alia no palco seu carisma à qualidade de suas composições e de suas interpretações. Ele tem vocação para a cena!!! Pena que, no Brasil, a gravadora Universal Music não editou a edição dupla de Milwaukee at Last!!! que agrega CD ao vivo com alguns números do bonito show da estrela.

Noel sai solo e Liam forma nova banda em 2010

Parece que já não há a mínima chance de os irmãos Liam (foto à esquerda) e Noel Gallagher se reconciliarem para ressuscitar o Oasis, grupo de BritPop dissolvido em agosto de 2009 com a saída de Noel. Dias depois de Noel ter comunicado que vai sair em carreira solo, Liam Gallagher anuncia que vai formar outra banda em 2010. "Não quero fazer nada solo. Quero estar numa banda. E será certamente uma banda de rock'n'roll...", disse Liam esta semana à imprensa inglesa.

26 de outubro de 2009

Livro dá voz a 13 (dissonantes) cantoras negras

Resenha de Livro
Título: Solistas Dissonantes
- História (Oral) de Cantoras Negras
Autor: Ricardo Santhiago
Editora: Letra e Voz
Cotação: * * * *

"Posso até cantar um samba e canto mesmo - mas quando eu quiser cantar, não porque querem que eu cante", situa Leila Maria em sentença lapidar do depoimento para o jornalista e historiador Ricardo Santhiago, autor do ótimo livro Solistas Dissonantes - História (Oral) de Cantoras Negras. Lançado neste mês de outubro, como resultado de um curioso trabalho de pesquisa desenvolvido pelo autor entre 2006 e 2009 para um trabalho de pós-graduação da USP, o livro traz à tona - através de relatos orais de 13 cantoras negras brasileiras - mágoas, devoções e crenças de excelentes intérpretes que desafiaram lei extra-oficial do mercado fonográfico que confina solistas negras aos guetos do samba, do funk ou de qualquer outro ritmo enquadrado no rótulo "negro". Poucas cantoras, como a divina Elizeth Cardoso (1920 - 1990), conseguiram construir carreira regular fora desse enquadramento pautado por um racismo disfarçado. Saudada como referência pioneira pela maioria das entrevistadas, Alaíde Costa foi outra solista que, em pleno reinado branco da Bossa Nova, se impôs e pagou alto preço por isso. "Quando eu comecei a cantar (...), havia uma certa discriminação em relação à minha postura musical. Todos diziam: 'É... Ela canta bem, mas canta difícil e escolhe músicas difíceis'. Difícil foi lidar com isso. Difícil foi vencer essa barreira", pondera Alaíde, no último dos 13 depoimentos reunidos no livro, encerrado com brilhante texto em que o autor analisa as histórias colhidas sob perspectiva acadêmica e ressalta que o piano é o símbolo do status quase sempre negado a essas cantoras idealistas que recusaram ficar na cozinha da música brasileira. Mulheres que não jogaram o jogo do masculino meio fonográfico!!

Prefaciado por Cida Moreira com texto sensível em que a cantora expressa admiração pelas colegas negras, o livro é interessante porque são profundos alguns balanços pessoais feitos pelas treze solistas dissonantes, nascidas num país mulato em que as maiores estrelas da música são estranhamente brancas até no Estado mais negro do Brasil (a Bahia festiva de Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Claudia Leitte). Projetada em 1988 no espetáculo Emoções Baratas, dirigido por José Possi Neto em São Paulo (SP), Adyel Silva abre a mente e o coração para contar sua história com a convicção de que o Brasil é, sim, um país racista. "Não quero ser magoada. Não quero ser raivosa. Não quero ser revoltada. Não quero nada disso... Tenho que começar a criar mecanismos de defesa para não criar um câncer dentro de mim. Perder espaço para uma pessoa que tem mais qualidade que você é bacana. Mas perder para alguém que não tem essa qualidade -mas tem a pele aceita, a cor do olho aceita, o tipo de cabelo aceito - é ruim. É muito ruim", relata Adyel, em tom de desabafo. Seu relato é forte!!

Na sequência, Leila Maria também destila mágoas justificadas pela falta de oportunidade, fruto do que ela entende como resistência velada por causa de seu orgulho negro. "... Tenho medo de que as pessoas não entendam o que estou dizendo e não apenas me tomem como preconceituosa, mas achem que estou usando isso como um recurso para justificar porque não acontecem mais coisas na minha carreira. Talvez enxerguem como um tipo de dor de cotovelo... Então, não dá. Não falo sobre isso com ninguém, porque as pessoas não assumem nem o preconceito geral - imagine, então, o especificamente aplicado dentro da área musical", pondera Leila, decepcionada pelo fato de seu segundo álbum - Off Key (2004) - não a ter (e)levado a patamar mais alto.

Menos ressentida, Virgínia Rosa - que começou carreira como vocalista de Itamar Assumpção (1949 - 2003), compositor negro que nunca fez a música que esperavam dele - dá depoimento mais leve em que, sem negar o preconceito, exalta a força transformadora da raça negra. Já Misty - outra voz dissonante projetada no espetáculo Emoções Baratas - rememora sua trajetória obstinada com o sonho de ainda gravar seu primeiro CD, Bessie in Bossa, com abordagem particular do repertório da cantora norte-americana Bessie Smith (1894 - 1937), pioneira do blues. Sobrinha de Dolores Duran (1930 - 1954), Izzy Gordon exala orgulho negro, apreendido com o pai. "Na música, a negritude não é nada menos do que um dom", resume, com a mesma positividade detectada nos depoimentos de Graça Cunha e Arícia Mess. Na sequência, Ivete Souza retoma o discurso mais engajado e calejado pelos preconceitos sofridos ao longo da carreira - "Sou muito cobrada por ser negra e não cantar música negra. Já ouvi gente dizendo que eu canto essas canções para fugir das minha raízes! Mas não tem nada a ver com isso... Tem a ver com a escolha que eu fiz, com o que aprendi..." - enquanto Eliana Pittman fica na superfície, optando por rememorar momentos áureos da carreira (nos anos 70) e a projeção recente no musical 7, da dupla Charles Möeller & Claudio Botelho. Já o relato desencanado de Zezé Motta - cantora e atriz desde a década de 70, mas hoje mais atriz do que cantora - tem seu ponto nervoso quando a artista lembra a pressão que sofreu da gravadora Warner Music para gravar sambas em seu segundo disco, Negritude (1979), já que o primeiro, Zezé Motta (1978), não obtivera o resultado comercial esperado diante da exposição de Zezé como atriz no filme Xica da Silva (1976). "Esperneei, mas no disco Negritude topei gravar alguns sambas. Mesmo assim, sempre rejeitei o rótulo de sambista - não porque tivesse algo contra o samba, mas porque sabia que a gravadora queria que eu gravasse samba por ser negra. Eu achava isso, vamos dizer, meio estranho. Parecia uma ditadura com o artista negro", lembra Zezé, superior.

Com sua crença espiritualista, Rosa Maria Colyn dilui os ressentimentos causados pelo preconceito racial, sofrido pela cantora fora e dentro do meio musical. "Ao longo da minha vida, recebi muitos elogios. Dizem que sou uma cantora maravilhosa, mas as oportunidades que tive como cantora não refletem isso. Se a escolha era entre uma negra que cantava bem e uma branca que era bonita, mas não cantava nada, a preferência era dela", remói Rosa Maria, hoje dividida entre as funções de cantora e atriz de novelas. Na sequência, Áurea Martins recorda o boicote que afirma ter sofrido pela diretoria da RCA de 1972 - quando gravou seu primeiro LP - e manifesta seu orgulho pelo CD Até Sangrar (2008) enquanto sonha com uma música brasileira sem guetos."...Fiquei numa situação difícil. O branco não me aceita por ser negra e o negro não me aceita porque diz que canto coisas elitistas, que estou no meio dos brancos... Assim fiz meu mundo: o bloco do eu sozinho", se situa Áurea, sem deixar de exaltar o pioneirismo da antecessora Alaíde Costa, que deixa a habitual discrição de lado para relatar detalhes da infância sofrida no derradeiro e emblemático depoimento deste livro que descortina os bastidores do velado preconceito racial que limita essas vozes dissonantes que - com doses maiores ou menores de felicidade e mágoa - ousam desafinar o coro dos contentes no mundo musical.

'Akokan' evoca o espiritual afro-jazz de Fonseca

Resenha de CD
Título: Akokan
Artista: Roberto Fonseca
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *

Projetado em escala mundial ao substituir o pianista Rubén Gonzalez (1919 - 2003) em alguns shows do coletivo de Cuba Buena Vista Social Club, Roberto Fonseca logo se impôs como um virtuose do piano. Mais jazzístico do que percussivo, o toque de seu piano transita pelo afro-cuban-jazz com grandes doses de lirismo e espiritualidade, como se detecta em La Flor que No Cuidé e Como en las Películas, dois dos 13 temas do quinto álbum de Fonseca, Akokan, recém-lançado no Brasil pela gravadora Biscoito Fino. Não por acaso, o título do disco significa 'coração' na língua yorubá. Akokan solidifica o estilo do pianista, propagado com força em seu álbum anterior, Zamazu (2007), no qual Fonseca flertava com a música brasileira. Como Zamazu, Akokan abre com cântico religioso ouvido na voz da cantora Mercedes Cortes Alfaro, Fragmento de Misa, saudação do artista à sua mãe. A louvação ao amor materno abre e encerra o álbum na faixa Cuando una Madre Llama a su Hijo, tema-vinheta solado pela voz do pianista. Aliás, embora essencialmente instrumental, Akokan agrega vozes como as do violonista Raul Midón - que entoa em inglês sua canção Everyone Deserves a Second Chance - e da cabo-verdiana Mayra Andrade, intérprete e parceira de Fonseca em Siete Potencias (Bu Kantu), tema que saúda os mortos e os santos protetores, evocando a espiritualidade ancestral que envolve com leveza o belo Akokan.

RoRo abre parcerias e quer DVD na festa dos 30

Prestes a completar 60 anos de idade em 5 de dezembro de 2009, Ângela RoRo planeja comemorar o aniversário e os 30 anos de carreira fonográfica - iniciada em 1979 com a gravação do álbum batizado com o nome da compositora - com show festivo a ser gravado para edição em DVD e CD ao vivo. Nomes como Ana Carolina - com quem RoRo inaugurou parceria neste ano de 2009 - e Maria Bethânia já teriam confirmado participação no show. E por falar em parcerias novas, além de Ana Carolina, a autora de Fogueira também está compondo com Frejat e com Sandra de Sá.