9 de dezembro de 2009

Bosco entra no tom soberano de Jobim e do jazz

Resenha de Show
Título: Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão
Artista: João Bosco (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Allegro Bistrô - Modern Sound (RJ)
Data: 8 de dezembro de 2009
Cotação: * * * *

Em 1972, ano em que foi lançado por Elis Regina (1945 - 1982), João Bosco estreou no mercado fonográfico através do Disco de Bolso do extinto Jornal O Pasquim. De um lado do disco, havia Agnus Sei, tema do compositor novato com seu parceiro Aldir Blanc. De outro, havia Águas de Março, o clássico instântaneo de Tom Jobim (1927 - 1994), escolhido pelo Pasquim para ser o padrinho de Bosco no lançamento. Pois foi justamente nas Águas de Março que, 37 anos depois de sua estreia fonográfica, o compositor de Desenho de Giz (1986) se banhou para lembrar Jobim no show de lançamento de seu álbum Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão (2009), feito no Allegro Bistrô, na loja carioca Modern Sound, na noite de 8 de dezembro de 2009, data em que a morte do Maestro Soberano completou 15 anos. De quebra, Bosco ainda apresentou arrasadora leitura de Lígia (1976) com toda a sensualidade inerente ao tema. Foi encantador.

Além de Jobim, Bosco entrou no tom do jazz. Na companhia de trio formado por Ricardo Silveira (guitarra), Kiko Freitas (bateria) e Ney Conceição (baixo), o compositor abordou a própria obra com arranjos jazzísticos. Sambas como O Ronco da Cuíca (1976) e Incompatibilidade de Gênios (1976) ganharam longas passagens instrumentais para possibilitar improvisos, criações e recriações do trio num clima jazzístico já experimentado por Bosco, em outro formato, na turnê feita em 2007 com a orquestra alemã NDR BigBand (clique aqui para ler a resenha do show realizado em 8 de maio de 2007 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro). Por conta da total interação de Bosco com o trio, o que dá ao roteiro caráter elástico, o foco do show acabou nem sendo o último álbum de Bosco, ouvido à exaustão antes do show nas dependências da lendária loja carioca. De Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão, um dos grandes discos de 2009, o compositor tocou apenas Perfeição - em total sintonia com a atmosfera refinada e suave dessa parceria com Francisco Bosco que remete à bossa de outro João, o Gilberto - e Sonho de Caramujo, samba que, no palco, soou menos sedutor porque, no todo, Bosco não conseguiu reproduzir ao vivo a pegada e o clima do lindo registro de estúdio.

A leveza do toque da bateria de Kiko Freitas foi um dos temperos de Vatapá, o samba de Dorival Caymmi (1914 - 2008), cuja obra tinha sido evocada momentos antes em Terreiro de Jesus (2002), destaque do set de voz-e-violão que abriu o show. Neste bloco inicial, Bosco reviveu sucessos como Nação (1982) e O Mestre-Sala dos Mares (1975), com total domínio de seu violão e de seus vocais percussivos, num prenúncio da sonoridade elaborada que ficaria mais encorpada com a entrada em cena do trio com quem pintou e bordou em músicas como Linha de Passe (1979) e Bala com Bala (1972). No bis, o coro popular na balada Papel Machê (1984) foi tão forte e espontâneo que o cantor deixou por alguns instantes os vocais a cargo do público que disputou um lugar no concorrido show. Gente que sabe há anos que João Bosco figura no céu da música brasileira enquanto outros rastejam pelo chão...

4 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Em 1972, ano em que foi lançado por Elis Regina (1945 - 1982), João Bosco estreou no mercado fonográfico através do Disco de Bolso do extinto Jornal O Pasquim. De um lado do disco, havia Agnus Sei, tema do compositor novato com seu parceiro Aldir Blanc. De outro, havia Águas de Março, o clássico instântaneo de Tom Jobim (1927 - 1994), escolhido pelo Pasquim para ser o padrinho de Bosco no lançamento. Pois foi justamente nas Águas de Março que, 37 anos depois de sua estreia fonográfica, o compositor de Desenho de Giz (1986) se banhou para lembrar Jobim no show de lançamento de seu álbum Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão (2009), feito no Allegro Bistrô, na loja carioca Modern Sound, na noite de 8 de dezembro de 2009, data em que a morte do Maestro Soberano completou 15 anos. De quebra, Bosco ainda apresentou arrasadora leitura de Lígia (1976) com toda a sensualidade inerente ao tema. Foi encantador.

Além de Jobim, Bosco entrou no tom do jazz. Na companhia de trio formado por Ricardo Silveira (guitarra), Kiko Freitas (bateria) e Ney Conceição (baixo), o compositor abordou a própria obra com arranjos jazzísticos. Sambas como O Ronco da Cuíca (1976) e Incompatibilidade de Gênios (1976) ganharam longas passagens instrumentais para possibilitar improvisos, criações e recriações do trio num clima jazzístico já experimentado por Bosco, em outro formato, na turnê feita em 2007 com a orquestra alemã NDR BigBand (clique aqui para ler a resenha do show realizado em 8 de maio de 2007 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro). Por conta da total interação de Bosco com o trio, o que dá ao roteiro caráter elástico, o foco do show acabou nem sendo o último álbum de Bosco, ouvido à exaustão antes do show nas dependências da lendária loja carioca. De Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão, um dos grandes discos de 2009, o compositor tocou apenas Perfeição - em total sintonia com a atmosfera refinada e suave dessa parceria com Francisco Bosco que remete à bossa de outro João, o Gilberto - e Sonho de Caramujo, samba que, no palco, soou menos sedutor porque, no todo, Bosco não conseguiu reproduzir ao vivo a pegada e o clima do lindo registro de estúdio.

A leveza do toque da bateria de Kiko Freitas foi um dos temperos de Vatapá, o samba de Dorival Caymmi (1914 - 1998), cuja obra tinha sido evocada momentos antes em Terreiro de Jesus (2002), destaque do set de voz-e-violão que abriu o show. Neste bloco inicial, Bosco reviveu sucessos como Nação (1982) e O Mestre-Sala dos Mares (1975), com total domínio de seu violão e de seus vocais percussivos, num prenúncio da sonoridade elaborada que ficaria mais encorpada com a entrada em cena do trio com quem pintou e bordou em músicas como Linha de Passe (1979) e Bala com Bala (1972). No bis, o coro popular na balada Papel Machê (1984) foi tão forte e espontâneo que o cantor deixou por alguns instantes os vocais a cargo do público que disputou um lugar no concorrido show. Gente que sabe há anos que João Bosco figura no céu da música brasileira enquanto outros rastejam pelo chão...

9 de dezembro de 2009 às 17:59  
Anonymous Anônimo said...

Esse final da sua resenha foi muito dramático Mauro...Influência de Bethânia é??? :)) Bosco é o máximo mesmo! Eu adoro!!

9 de dezembro de 2009 às 19:12  
Anonymous Anônimo said...

Caymmi se foi em 2008.

10 de dezembro de 2009 às 00:32  
Anonymous Denilson said...

"Gente que sabe há anos que João Bosco figura no céu da música brasileira enquanto outros rastejam pelo chão..."

Mauro, concordo contigo inteiramente... Infelizmente!

abração,
Denilson

11 de dezembro de 2009 às 11:39  

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