30 de outubro de 2009

'Indies' realçam farto tributo aos 100 de Ataulfo

Resenha de CD
Título: Ataulfo Alves - 100 Anos
Artista: Vários
Gravadora: Lua Music
Cotação: * * 1/2 (CD 1) e * * * * (CD 2)

Fala-se pouco de Ataulfo Alves (1909 - 1969). Ouve-se menos ainda a obra do compositor. Daí que o CD duplo editado pela Lua Music em tributo ao centenário de nascimento do artista é título de valor porque joga luz sobre um repertório que - com exceção dos clássicos - já caía em completo esquecimento. Ataulfo Alves - 100 Anos reúne regravações de 34 músicas do compositor em dois volumes vendidos separadamente ou em embalagem dupla. O CD 1 agrega nomes da velha guarda da MPB. O CD 2, superior, enfileira artistas da cena indie e - talvez por isso - aborde a obra de Ataulfo Alves com mais frescor. E com doses salutares de ousadia.
No CD 1, Elza Soares pulsa contemporânea Na Cadência do Samba (1962) enquanto Elba Ramalho cai até bem no suingue de Mulata Assanhada (1956) sem a habitual pegada nordestina de seu trabalho. Já Virgínia Rosa apresenta a capella a introdução obscura de Você Passa, Eu Acho Graça (1968). Se Ângela RoRo cai no samba em Fim de Comédia (1951), Fafá de Belém ambienta Errei Sim (1950) na atmosfera do samba-canção. Por sua vez, o fraseado límpido de Ná Ozzetti apara os excessos de sentimentos nostálgicos de Meus Tempos de Criança (1963) enquanto o samba chama Zezé Motta para defender Cabe na Palma da Mão (1967). Já Alaíde Costa remói Infidelidade (1947) no tom camerístico do piano de André Mehmari. A boa surpresa é Amelinha, a cantora cearense de sucessos como Frevo Mulher. Ela entoa com ternura a canção À Você (1936). Infelizmente, o produtor Thiago Marques Luiz foi bem pouco rigoroso na escalação do elenco do CD 1, completando o time com intérpretes (Adeílton Alves, Edith Veiga e Luiz Ayrão, entre outros) que nada acrescentam às músicas que revivem. Ataulfo merece regravações como a feita pelo Língua de Trapo, grupo que trata Desaforo Eu Não Carrego (1961) com graciosa irreverência. É um fecho de ouro para o irregular disco 1!
É no CD 2 que a obra de Ataulfo é abordada com criatividade e sem mofo. O tratamento instrumental dado pela Banda Dona Zica a Errei Erramos (1938) - samba solado por Luiz Melodia - já vale o disco. Já a guitarra de Rovilson Pascoal revitaliza Ai, que Saudade da Amélia (1941), a obra-prima, confiada a Márcia Castro. Anelis Assumpção mostra em Bom Crioulo (1959) que é cantora apta a ganhar projeção nacional. Já Verônica Ferriani acende Pavio da Verdade (1949) com exata compreensão da amargura dos versos do compositor. É interpretação condizente com o culto que já se insinua em torno da cantora. No mesmo alto nivel situa-se o canto de Mateus Sartori em Meu Lamento (1955), faixa adornada pelo violão de Alessandro Penezzi. Sartori consegue se equiparar a um cantor craque, Marcos Sacramento, intérprete de Meu Pranto Ninguém Vê (1938) ao lado do grupo de choro Ó do Borogodó. Por sua vez, o Quinteto em Branco e Preto aborda com propriedade Na Ginga do Samba (1964) - um sambão que nada fica a dever aos clássicos de Ataulfo - enquanto Edu Krieger se exercita como cantor em Faz Como Eu (1943) e Rômulo Fróes refina Sei que É Covardia (1938) no tom cool de sua obra fonográfica. Detalhe: o Quinteto em Branco e Preto também fornece a base para o dueto de Beth Carvalho com sua filha, Luana, em Leva meu Samba (1940), faixa que abre o CD 2 mais pela presença luxuosa de Beth. Já Silvia Machete mostra em Lírios do Campo (1950) que é cantora capaz de prender o ouvinte sem a mise-en-scène do palco. Inspirado em ideia executada pelo diretor Túlio Feliciano no show Leva meu Samba (1984), que reuniu Elizeth Cardoso (1920 - 1990) e Ataulfo Alves Jr. em torno da obra do compositor, o arranjo de Lírios do Campo traz a música para o universo do fado, evocado pela guitarra portuguesa de Mário Rui. Por fim, há as abordagens moderninhas de Oh seu Oscar (1939) e O que É que Há? (1962) feitas, respectivamente, por Wado & Graziela Medori e por Cérebro Eletrônico (com adesão de Maria Alcina). Enfim, o CD 2 dá outros olhares à música de Ataulfo Alves e transcende o valor documental de tributos do gênero porque soa de fato interessante.

15 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Fala-se pouco de Ataulfo Alves (1909 - 1969). Ouve-se menos ainda a obra do compositor. Daí que o CD duplo editado pela Lua Music em tributo ao centenário de nascimento do artista é título de valor porque joga luz sobre um repertório que - com exceção dos clássicos - já caía em completo esquecimento. Ataulfo Alves - 100 Anos reúne regravações de 34 músicas do compositor em dois volumes vendidos separadamente ou em embalagem dupla. O CD 1 agrega nomes da velha guarda da MPB. O CD 2, superior, enfileira artistas da cena indie e - talvez por isso - aborde a obra de Ataulfo Alves com mais frescor. E com doses salutares de ousadia.
No CD 1, Elza Soares pulsa contemporânea Na Cadência do Samba (1962) enquanto Elba Ramalho cai até bem no suingue de Mulata Assanhada (1956) sem a habitual pegada nordestina de seu trabalho. Já Virgínia Rosa apresenta a capella a introdução obscura de Você Passa, Eu Acho Graça (1968). Se Ângela RoRo cai no samba em Fim de Comédia (1951), Fafá de Belém ambienta Errei Sim (1950) na atmosfera do samba-canção. Por sua vez, o fraseado límpido de Ná Ozzetti apara os excessos de sentimentos nostálgicos de Meus Tempos de Criança (1963) enquanto o samba chama Zezé Motta para defender Cabe na Palma da Mão (1967). Já Alaíde Costa remói Infidelidade (1947) no tom camerístico do piano de André Mehmari. A boa surpresa é Amelinha, a cantora cearense de sucessos como Frevo Mulher. Ela entoa com ternura a canção À Você (1936). Infelizmente, o produtor Thiago Marques Luiz foi bem pouco rigoroso na escalação do elenco do CD 1, completando o time com intérpretes (Adeílton Alves, Edith Veiga e Luiz Ayrão, entre outros) que nada acrescentam às músicas que revivem. Ataulfo merece regravações como a feita pelo Língua de Trapo, grupo que trata Desaforo Eu Não Carrego (1961) com graciosa irreverência. É um fecho de ouro para o irregular disco 1!
É no CD 2 que a obra de Ataulfo é abordada com criatividade e sem mofo. O tratamento instrumental dado pela Banda Dona Zica a Errei Erramos (1938) - samba solado por Luiz Melodia - já vale o disco. Já a guitarra de Rovilson Pascoal revitaliza Ai, que Saudade da Amélia (1941), a obra-prima, confiada a Márcia Castro. Anelis Assumpção mostra em Bom Crioulo (1959) que é cantora apta a ganhar projeção nacional. Já Verônica Ferriani acende Pavio da Verdade (1949) com exata compreensão da amargura dos versos do compositor. É interpretação condizente com o oba-oba que tentam criar em torno da cantora. No mesmo alto nivel situa-se o canto de Mateus Sartori em Meu Lamento (1955), faixa adornada pelo violão de Alessandro Penezzi. Sartori consegue se equiparar a um cantor craque, Marcos Sacramento, intérprete de Meu Pranto Ninguém Vê (1938) ao lado do grupo de choro Ó do Borogodó. Por sua vez, o Quinteto em Branco e Preto aborda com propriedade Na Ginga do Samba (1964) - um sambão que nada fica a dever aos clássicos de Ataulfo - enquanto Edu Krieger se exercita como cantor em Faz Como Eu (1943) e Rômulo Fróes refina Sei que É Covardia (1938) no tom cool de sua obra fonográfica. Detalhe: o Quinteto em Branco e Preto também fornece a base para o dueto de Beth Carvalho com sua filha, Luana, em Leva meu Samba (1940), faixa que abre o CD 2 mais pela presença luxuosa de Beth. Já Silvia Machete mostra em Lírios do Campo (1950) que é cantora capaz de prender o ouvinte sem a mise-en-scène do palco. Inspirado em ideia executada pelo diretor Túlio Feliciano no show Leva meu Samba (1984), que reuniu Elizeth Cardoso (1920 - 1990) e Ataulfo Alves Jr. em torno da obra do compositor, o arranjo de Lírios do Campo traz a música para o universo do fado, evocado pela guitarra portuguesa de Mário Rui. Por fim, há as abordagens moderninhas de Oh seu Oscar (1939) e O que É que Há? (1962) feitas, respectivamente, por Wado & Graziela Medori e por Cérebro Eletrônico (com adesão de Maria Alcina). Enfim, o CD 2 dá outros olhares à música de Ataulfo Alves e transcende o valor documental de tributos do gênero porque soa de fato interessante.

30 de outubro de 2009 às 20:58  
Anonymous Anônimo said...

Perfeito, Maurão. Faço minhas suas palavras. Mas entre mortos e feridos e na falta do saudoso Almir Chediak RECOMENDO!

30 de outubro de 2009 às 21:10  
Anonymous Anônimo said...

HOMENAGENS EM VIDA! HOMENAGENS EM VIDA! O artista vivo agradece.

30 de outubro de 2009 às 21:18  
Anonymous Anônimo said...

Amelinha nunca foi surpresa para mim. Falo aqui há muito tempo e a maioria discorda. Um belo talento de nossa música - assim como Diana Pequeno - que não só a "indústria" (até aí "morreu Neves") mas até o público parece ter esquecido.
EU NÃO ESQUECI NÃO.

30 de outubro de 2009 às 21:34  
Blogger Unknown said...

A Fabiana Cozza tbm participa desse cd né?

Se eu não me engano ela canta:
'Vai, Mas Vai Mesmo'


:)

31 de outubro de 2009 às 00:59  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, que crítica sensível. Que sacadas. O cd dois é maravilhoso mesmo. O canto de Mateus Sartori é deslumbrante, cantor que se firma como uma das vozes mais bonitas desta nova geração. Anelis Assumpção um charme. Marcos Sacramento um luxo! Verônica Ferriani em interpretação comovente. Eu adorei o disco. Recomendo! Pena estar esgotado em algumas lojas. Precisa reposição para presentearmos no natal nossos amigos. Esse projeto joga luz linda na obra de Ataulfo Alves que eu não conhecia e fiquei encantado.
Parabéns ao mentor do projeto! Coisa de gente competente.

31 de outubro de 2009 às 10:57  
Anonymous Anônimo said...

Só para implicar : dois discos corretos em homenagem correta. Bem analisados pelo blogueiro. E, o melhor de tudo, é bom, é papa fina, bem acabado e não é da Biscoito Fino, provando mais uma vez que a companhia do biscoito é boa, mas não é a única a colocar biscoitos finos em nossa mesa
carioca da piedade

31 de outubro de 2009 às 11:07  
Anonymous Anônimo said...

Carioca da Piedade,interessante seu comentário.A Lua Music vai sendo uma opção para discos de alta qualidade.Que bom para todos nós. Vou comprar os dois cds. Crítica sugestiva do Mauro.Boa indicação.

31 de outubro de 2009 às 11:21  
Anonymous Anônimo said...

Algumas cantoras fazem parte da panelinha do produtor. Algumas sao boas , outras dispensaveis.

31 de outubro de 2009 às 12:21  
Anonymous Renan Pereira said...

Verônica Ferriani é competente, afinada, tem timbre bonito, passeia pela escala musical, é "viva" no palco. Vai ver é por isso que tem recebido elogios de vários cantos do país.
O que não significa que tentam fazer oba oba.

31 de outubro de 2009 às 13:05  
Anonymous Anônimo said...

Estranho o jornalista falar de 'oba oba' em cima de Verônica Ferriani, já que ele faz 'oba oba' em cima de Marcos Sacramento. Que é muito bom também. Mas falta critério ao autor desse blog.

31 de outubro de 2009 às 13:28  
Anonymous Anônimo said...

Verônica Ferriani corre por fora. Faz muito bem em não colocar seu trabalho em multinacional. Vai virar estrela. Tem feito coisas muito interessantes. Essa participação no disco do Ataulfo Alves mostra que a menina tem talento. Os shows são impecáveis. Parece que tem equipe muito inteligente. E não é oba oba. A moça canta, e canta bem... É tão afinada que machuca o ouvido. O timbre aveludado de Ferriani é para poucas cantoras. Presente de Deus e ponto!

31 de outubro de 2009 às 15:13  
Blogger Unknown said...

Verônica é "cantorona",sabe cantar.No show do Ataulfo Alves, desse disco que vc fala Mauro,no Sesc Vila Mariana,levou beleza especial ao espetáculo.Vida longa Verônica.Ela é comentada por todos porque tem talento,não é uma mentira.Comprei os CDs,lindos.

31 de outubro de 2009 às 15:16  
Anonymous Anônimo said...

Seguindo sua dica Mauro, comprei os discos ontem. Que trabalho bonito. Tem coisa muito interessante. Ataulfo Alves é moderno até hoje. Que faixa forte do Mateus Sartori, não o conhecia. Na verdade não conheço a maioria dos novos do disco. Elza é demais.
Não tiro os discos do carro. Valeu a sugestão. Já indiquei para vários amigos. Obrigado por nos brindar com presentes tão singulares como esse especial do Ataulfo Alves.

2 de novembro de 2009 às 14:28  
Anonymous Anônimo said...

Anônimo, dá uma ouvida no Mateus cantando só Dorival em seu mais recente trabalho. É show!

2 de novembro de 2009 às 17:09  

Postar um comentário

<< Home