19 de abril de 2009

'Rock'n'Roll' discute política em alto e bom som

Resenha de Peça
Título: Rock'n'Roll
Texto: Tom Stoppard (em tradução de Felipe Vidal)
Direção: Felipe Vidal e Tato Consorti
Elenco: Otávio Augusto, Thiago Fragoso, Gisele Fróes,
Bianca Comparato, Adriano Saboya, Carol Condé, Lucas
Gouvêa, Christian Landi, Keli Freitas e Luciana Borghi
Teatro: Caixa Cultural RJ
Cotação: * * * *
(Em cartaz de quarta-feira a domingo - até 26 de abril de 2009)

O vinil quebrado que aparece no logotipo da peça Rock'n'Roll traduz com perfeição um dos sentimentos expressados pelo texto de Tom Stoppard, ora encenado no Rio de Janeiro (RJ) depois de colecionar prêmios e indicações nos Estados Unidos e na Inglaterra. O dramaturgo inglês (de origem tcheca) discute política e utopia ao som de... rock'n'roll. Situada entre Praga e Cambridge, a ação vai de 1968 a 1990, oferecendo lúcido painel histórico da evolução e implosão do comunismo. Como o vinil do logotipo, os sonhos socialistas acabam espatifados. E o rock, visto nos anos 60 como a força que ia mover e mudar o mundo, vai perdendo força política ao longo dos anos. "É só rock'n'roll", como conclui à certa altura um já meio desiludido Jan (Thiago Fragoso), personagem que se opõe ao socialista Max (Otávio Augusto, em boa atuação temperada com doses exatas de ternura e convicção).

A música - ou seja, o rock'n'roll que contextualiza toda a ação - desempenha mais do que o papel decorativo de trilha sonora. Ouvido nas projeções que separam as cenas, o rock é personagem importante que ajuda a dar a dimensão existencial e social dos acontecimentos políticos que abalam Praga e repercutem (mal) em Cambridge. Quando se ouve I Still Haven't Found What I'm Looking for na abertura do segundo ato, quando a ação salta para 1987, ano da emblemática gravação do U2, a música vale por mil palavras para informar o sentimento dominante naquela década em que se já não tinha mais ilusões e sonhos de mudar o mundo como nos anos 60. Composta por fonogramas de Syd Barret (1946 - 2006) e de bandas como Velvet Underground, entre muitos outros nomes do rock'n'roll, a trilha sonora da peça é elemento indissociável do texto. Que joga luz sobre The Plastic People of the Universe, mítica banda tcheca criada em 1968 que se tornaria involuntariamente um símbolo de resistência contra a ocupação da Tchecoslováquia por tropas da União Soviética, pois os garotos que mudariam o mundo viram inimigos no poder. Havia ideologia.

Repleto de referências a acontecimentos musicais e políticas, a ponto de o programa da peça oferecer um glossário para situar o espectador na ação, o texto de Tom Stoppard toca fundo em questões fundamentais que vão além do campo sócio-político. Caso, por exemplo, da discussão entre os conceitos de mente e cérebro em cena que se apresenta como um dos (muitos) grandes momentos da atriz Gisele Fróes, que se desdobra brilhantemente nos papéis de Eleanor (a mulher de Max que vê seu corpo ser devastado por um câncer) e de Esmene (a filha de Max e Eleanor) na fase adulta. Em sintonia com o caráter cerebral da dramaturgia de Stoppard, a direção encena o texto de forma esquemática que distancia a ação do espectador e impede qualquer resquício de sentimentalismo. Tal opção estilística torna a encenação linear e excessivamente fria nos primeiros quadros, quando o espectador ainda não se envolveu totalmente com os dilemas interiores das personagens, mas, à medida que a ação avança, a linha da direção acaba tendo revelado seu mérito de não forçar a emoção barata, já que Rock'n'Roll questiona política e utopias em alto e bom som.

3 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Resenha de Peça
Título: Rock'n'Roll
Texto: Tom Stoppard (em tradução de Felipe Vidal)
Direção: Felipe Vidal e Tato Consorti
Elenco: Otávio Augusto, Thiago Fragoso, Gisele Fróes,
Bianca Comparato, Adriano Saboya, Carol Condé, Lucas
Gouvêa, Christian Landi, Keli Freitas e Luciana Borghi
Teatro: Caixa Cultural RJ
Cotação: * * * *
(Em cartaz de quarta-feira a domingo - até 26 de abril de 2009)

O vinil quebrado que aparece no logotipo da peça Rock'n'Roll traduz com perfeição um dos sentimentos expressados pelo texto de Tom Stoppard, ora encenado no Rio de Janeiro (RJ) depois de colecionar prêmios e indicações nos Estados Unidos e na Inglaterra. O dramaturgo inglês (de origem tcheca) discute política e utopia ao som de... rock'n'roll. Situada entre Praga e Cambridge, a ação vai de 1968 a 1990, oferecendo lúcido painel histórico da evolução e implosão do comunismo. Como o vinil do logotipo, os sonhos socialistas acabam espatifados. E o rock, visto nos anos 60 como a força que ia mover e mudar o mundo, vai perdendo força política ao longo dos anos. "É só rock'n'roll", como conclui à certa altura um já desiludido Jan (Thiago Fragoso), personagem que se opõe ao socialista Max (Otávio Augusto, em boa atuação temperada com doses exatas de ternura e convicção).

A música - ou seja, o rock'n'roll que contextualiza toda a ação - desempenha mais do que o papel decorativo de trilha sonora. Ouvido nas projeções que separam as cenas, o rock é personagem importante que ajuda a dar a dimensão existencial e social dos acontecimentos políticos que abalam Praga e repercutem (mal) em Cambridge. Quando se ouve I Still Haven't Found What I'm Looking for na abertura do segundo ato, quando a ação salta para 1987, ano da emblemática gravação do U2, a música vale por mil palavras para informar o sentimento dominante naquela década em que se já não tinha mais ilusões e sonhos de mudar o mundo como nos anos 60. Composta por fonogramas de Syd Barret (1946 - 2006) e de bandas como Velvet Underground, entre muitos outros nomes do rock'n'roll, a trilha sonora da peça é elemento indissociável do texto. Que joga luz sobre The Plastic People of the Universe, mítica banda tcheca criada em 1968 que se tornaria involuntariamente um símbolo de resistência contra a ocupação da Tchecoslováquia por tropas da União Soviética, pois os garotos que mudariam o mundo viram inimigos no poder. Havia ideologia.

Repleto de referências a acontecimentos musicais e políticas, a ponto de o programa da peça oferecer um glossário para situar o espectador na ação, o texto de Tom Stoppard toca fundo em questões fundamentais que vão além do campo sócio-político. Caso, por exemplo, da discussão entre os conceitos de mente e cérebro em cena que se apresenta como um dos (muitos) grandes momentos da atriz Gisele Fróes, que se desdobra brilhantemente nos papéis de Eleanor (a mulher de Max que vê seu corpo ser devastado por um câncer) e de Esmene (a filha de Max e Eleanor) na fase adulta. Em sintonia com o caráter cerebral da dramaturgia de Stoppard, a direção encena o texto de forma esquemática que distancia a ação do espectador e impede qualquer resquício de sentimentalismo. Tal opção estilística torna a encenação linear e excessivamente fria nos primeiros quadros, quando o espectador ainda não se envolveu totalmente com os dilemas interiores das personagens, mas, à medida que a ação avança, a linha da direção acaba tendo revelado seu mérito de não forçar a emoção barata, já que Rock'n'Roll questiona política e utopias em alto e bom som.

19 de abril de 2009 às 19:06  
Blogger Luanda Cozetti said...

que texto bonito,mauro...
perder as ilusões,mas não abrir mão dos sonhos...
beijo,
Luanda.

21 de abril de 2009 às 12:52  
Blogger Daniele Avila said...

Oi, Mauro
Gosto muito da sua crítica.

Um abraço,
Daniele Avila

28 de maio de 2009 às 12:24  

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