13 de fevereiro de 2009

Ana revive com maestria alma cabocla de Hekel

Resenha de CD
Título: Alma Cabocla
Artista: Ana Salvagni
Gravadora: Tratore
Cotação: * * * * *

Exceto por alguns poucos temas como Guacyra (1930), Sussuarana (1927), Leilão (1930) e Você (1928 - mais conhecido como Penas do Tiê), volta e meia regravados por intérpretes como Maria Bethânia, a obra do compositor alagoano Hekel Tavares (1896 - 1969) é totalmente desconhecida pelos brasileiros. Trazer à tona esse cancioneiro de tom ruralista é um dos méritos do impecável terceiro CD de Ana Salvagni, Alma Cabocla, inteiramente dedicado ao repertório de Hekel, criado com parceiros como Joracy Camargo (1898 - 1973) e Luiz Peixoto (1889 - 1973). Com seu fraseado límpído, a cantora - que, após integrar o Trio Bem Temperado, lançou dois discos individuais, Ana Salvagni (1999) e Avarandado (2005) - realça com maestria a alma da obra do autor de Biá Tá Tá (1934), o saboroso côco que abre o disco. O acordeom de Toninho Ferraguti dá à faixa um clima forrozeiro que se repete em Engenho Novo (1929).
Embora tenha vivido a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, Hekel Tavares traduziu na sua música o modo vivendis do caboclo, do homem do interior. E é essa alma sertanista que brota sublime em faixas como Lavandeirinha (1930) - faixa cantada por Salvagni em dueto com Renato Braz que soa como uma oração - e Casa de Caboclo (1928). Braz bisa sua participação em Moleque Namorador (1927), tema mais malicioso entoado somente na companhia do piano arranjado pelo maestro Paulo Braga. Aliás, a cantora aborda as toadas, canções e côcos de Hekel cercada de virtuoses. Sussuarana, por exemplo, é embalada pelo violão de 7 cordas arranjado por Swami Jr. enquanto a viola de Paulo Freire e clarinete de Nailor Proveta dão o tom vivaz de Eu Vi... (de 1927).
Sem evitar os poucos clássicos do compositor (todos estão no CD e a intérpretação de Guacyra com Salvagni é pungente), a intérprete tira do baú jóias valiosas como Dedo Mindinho, toada de 1940. Detalhe: a composição mais nova do CD é Caboclo Bom, de 1942. E o que impressiona é a alta qualidade melódica das músicas. A melancólica Favela (1930) - faixa solada pelo cantor Filó Machado na sua primeira parte - é um dos exemplos de músicas que poderiam ocupar lugar mais destacado na memória brasileira. Ao findar com um lindo Acalanto (1930), o CD Alma Cabocla cumpre exemplarmente seu objetivo principal de jogar merecida luz sobre a obra - tristonha e poética - de Hekel Tavares.

5 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Exceto por alguns poucos temas como Guacyra (1930), Sussuarana (1927), Leilão (1930) e Você (1928 - mais conhecido como Penas do Tiê), volta e meia regravados por intérpretes como Maria Bethânia, a obra do compositor alagoano Hekel Tavares (1896 - 1969) é totalmente desconhecida pelos brasileiros. Trazer à tona esse cancioneiro de tom ruralista é um dos méritos do impecável terceiro CD de Ana Salvagni, Alma Cabocla, inteiramente dedicado ao repertório de Hekel, criado com parceiros como Joracy Camargo (1898 - 1973) e Luiz Peixoto (1889 - 1973). Com seu fraseado límpído, a cantora - que, após integrar o Trio Bem Temperado, lançou dois discos individuais, Ana Salvagni (1999) e Avarandado (205) - realça com maestria a alma da obra do autor de Biá Tá Tá (1934), o saboroso côco que abre o disco. O acordeom de Toninho Ferraguti dá à faixa um clima forrozeiro que se repete em Engenho Novo (1929).
Embora tenha vivido a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, Hekel Tavares traduziu na sua música o modo vivendis do caboclo, do homem do interior. E é essa alma sertanista que brota sublime em faixas como Lavandeirinha (1930) - faixa cantada por Salvagni em dueto com Renato Braz que soa como uma oração - e Casa de Caboclo (1928). Braz bisa sua participação em Moleque Namorador (1927), tema mais malicioso entoado somente na companhia do piano arranjado pelo maestro Paulo Braga. Aliás, a cantora aborda as toadas, canções e côcos de Hekel cerca de virtuoses. Sussuarana, por exemplo, é embalada pelo violão de 7 cordas arranjado por Swami Jr. enquanto a viola de Paulo Freire e clarinete de Nailor Proveta dão o tom vivaz de Eu Vi... (de 1927).
Sem evitar os poucos clássicos do compositor (todos estão no CD e a intérpretação de Guacyra com Salvagni é pungente), a intérprete tira do baú jóias valiosas como Dedo Mindinho, toada de 1940. Detalhe: a composição mais nova do CD é Caboclo Bom, de 1942. E o que impressiona é a alta qualidade melódica das músicas. A melancólica Favela (1930) - faixa solada pelo cantor Filó Machado na sua primeira parte - é um dos exemplos de músicas que poderiam ocupar lugar mais destacado na memória brasileira. Ao findar com um lindo Acalanto (1930), o CD Alma Cabocla cumpre exemplarmente seu objetivo principal de jogar merecida luz sobre a obra - tristonha e poética - de Hekel Tavares.

13 de fevereiro de 2009 às 09:46  
Anonymous Anônimo said...

É sempre bom saber que se pode cantar esse "Brasil profundo", sertanista, sem resvalar no kitsch popularesco. Salvagni está de parabéns por resgatar a obra de Hekel Tavares que no passado fora tão abordada por Inezita Barroso e Vanja Orico. Me empogaram as cinco estrelas Mauro!

13 de fevereiro de 2009 às 10:27  
Anonymous Anônimo said...

Olá Mauro, matéria ótima, não conhecia a cantora, fiquei curioso... Olha só, tem um pequeno erro no texto, na parte seguinte parte: "... e côcos de Hekel cerca de virtuoses", seria "...e côcos de Hekel cercada de virtuoses"... Abraço

13 de fevereiro de 2009 às 16:17  
Anonymous Anônimo said...

Dessa vez foi o Mauro que já disse tudo. Não deixou nada para mim. Perfeita a resenha.

15 de fevereiro de 2009 às 12:10  
Anonymous Anônimo said...

Mauro,
Hekel Tavares trabalhou no show Opinião com Bethânia, certo?

Adélia

19 de fevereiro de 2009 às 10:55  

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