7 de novembro de 2008

Gil se ilumina ao explorar a 'máquina' de ritmo

Resenha de Show
Título: Concertos para Amazônia - Gil Luminoso
Artista: Gilberto Gil (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Tom Jobim (RJ)
Data: 6 de novembro de 2008
Cotação: * * * *

Artista pautado por aguçada consciência ambiental, Gilberto Gil foi escolhido para abrir a série Concertos para Amazônia, realizada dentro de uma programação de eventos que ocupa o Jardim Botânico, a reserva florestal carioca onde foi inaugurado recentemente o Teatro Tom Jobim. Na companhia de seu violão e do filho Bem Gil, que se revezou na percussão e num segundo violão, o cantor apresentou o show Gil Luminoso, inspirado no belo disco homônimo (encartado em livro de 1999 e relançado em 2006 pela gravadora Biscoito Fino em edição avulsa) em que o compositor alinhou reflexões espiritualistas em regravações intimistas de canções próprias e alheias. Este Gil interiorizado se iluminou em alguns números e especialmente no bis que encadeou Tempo Rei, A Linha e o Linho (com outra costura harmônica) e Retiros Espirituais. No todo, o roteiro do show extrapolou o repertório e o conceito espiritual do disco que o inspirou. A ponto de ter fechado com Soy Loco por Ti, America, tema de vivacidade rítmica que culminou num diálogo vivaz dos violões de Bem e Gil.

Dotado de musicalidade ímpar, Gil se iluminou sobretudo ao manipular seu violão, sua máquina de ritmo. Já no primeiro número, Flora, canção transmutada para o universo do samba, o artista brincou com o ritmo cheio de dengo que imprimou a esta composição de múltiplos sentidos. À vontade, Gil experimentou tons e divisões, explorando nuances ainda escurecidas de músicas como Esotérico e Metáfora (com citação assoviada de Penny Lane ao fim). Exímio contador de histórias (não por acaso escolhido para ser o primeiro artista nacional a gravar DVD e CD ao vivo na série Storytellers, que em 2009 passa a ser produzida também no Brasil pelo canal de TV VH1), Gil também discursou sobre questões ambientais, celebrou a eleição do mulato Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos ("Um avanço histórico já considerável em si mesmo") e dissertou sobre as dinastias da música brasileira antes de anunciar a entrada em cena do filho Bem Gil a partir de Chiclete com Banana. Bem teve seu melhor momento quando assumiu o pandeiro para acentuar as quebradas rítmicas do samba Amor até o Fim, (bem) gravado por Elis Regina.

Com Bem, Gil ressaltou a atmosfera lúdica de Gueixa no Tatame - música do disco Banda Larga Cordel (2008) que cresceu na abordagem intimista - e reviveu samba antigo, Senhor Delegado (Antoninho Lopes e Ernani Silva, 1957), regravado pelos Titãs em 1998 no Volume Dois. Escorado na sua máquina de múltiplos ritmos, Gil acentuou a batida de samba de roda que acompanha Andar com Fé, sintetizou no violão a pegada nordestina que originou Expresso 2222 e apimentou a levada de xote que envolve Despedida de Solteira - pretexto para discurso sobre a malícia característica do gênero, ilustrado com o improvisado canto a capella de Peba na Pimenta, xote composto em 1957 por João do Vale (1933 - 1996) em parceria com José Batista e Adelino Rivera.

Ao aproximar Se Eu Quiser Falar com Deus de Não Tenho Medo da Morte em bloco mais intimista, Gil enfatizou a superioridade da canção de 1981 sobre o tema gravado em seu último álbum. Tanto no que diz respeito à arquitetura das melodias como às divagações transcendentais feitas nas letras das duas canções. Na seqüência, outro link temático - bem mais inusitado - encadeou O Rouxinol (da lavra do próprio Gil) com Three Little Birds, o tema de Bob Marley (1945 - 1981). Foi momento espirituoso de um show que transcendeu a espiritualidade do CD Gil Luminoso em favor da musicalidade multifacetada de Gilberto Gil. Concerto iluminado...

8 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Artista pautado por aguçada consciência ambiental, Gilberto Gil foi escolhido para abrir a série Concertos para Amazônia, realizada dentro de uma programação de eventos que ocupa o Jardim Botânico, a reserva florestal carioca onde foi inaugurado recentemente o Teatro Tom Jobim. Na companhia de seu violão e do filho Bem Gil, que se revezou na percussão e num segundo violão, o cantor apresentou o show Gil Luminoso, inspirado no belo disco homônimo (encartado em livro de 1999 e relançado em 2006 pela gravadora Biscoito Fino em edição avulsa) em que o compositor alinhou reflexões espiritualistas em regravações intimistas de canções próprias e alheias. Este Gil interiorizado se iluminou em alguns números e especialmente no bis que encadeou Tempo Rei, A Linha e o Linho (com outra costura harmônica) e Retiros Espirituais. No todo, o roteiro do show extrapolou o repertório e o conceito espiritual do disco que o inspirou. A ponto de ter fechado com Soy Loco por Ti, America, tema de vivacidade rítmica que culminou num diálogo vivaz dos violões de Bem e Gil.

Dotado de musicalidade ímpar, Gil se iluminou sobretudo ao manipular seu violão, sua máquina de ritmo. Já no primeiro número, Flora, canção transmutada para o universo do samba, o artista brincou com o ritmo cheio de dengo que imprimou a esta composição de múltiplos sentidos. À vontade, Gil experimentou tons e divisões, explorando nuances ainda escurecidas de músicas como Esotérico e Metáfora (com citação assoviada de Penny Lane ao fim). Exímio contador de histórias (não por acaso escolhido para ser o primeiro artista nacional a gravar DVD e CD ao vivo na série Storytellers, que em 2009 passa a ser produzida também no Brasil pelo canal de TV VH1), Gil também discursou sobre questões ambientais, celebrou a eleição do mulato Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos ("Um avanço histórico já considerável em si mesmo") e dissertou sobre as dinastias da música brasileira antes de anunciar a entrada em cena do filho Bem Gil a partir de Chiclete com Banana. Bem teve seu melhor momento quando assumiu o pandeiro para acentuar as quebradas rítmicas do samba Até o Fim, muito bem gravado por Elis Regina.

Com Bem, Gil ressaltou a atmosfera lúdica de Gueixa no Tatame - música do disco Banda Larga Cordel (2008) que cresceu na abordagem intimista - e reviveu samba antigo, Senhor Delegado (Antoninho Lopes e Ernani Silva, 1957), regravado pelos Titãs em 1998 no Volume Dois. Escorado na sua máquina de múltiplos ritmos, Gil acentuou a batida de samba de roda que acompanha Andar com Fé, sintetizou no violão a pegada nordestina que originou Expresso 2222 e apimentou a levada de xote que envolve Despedida de Solteira - pretexto para discurso sobre a malícia característica do gênero, ilustrado com o improvisado canto a capella de Peba na Pimenta, xote composto em 1957 por João do Vale (1933 - 1996) em parceria com José Batista e Adelino Rivera.

Ao aproximar Se Eu Quiser Falar com Deus de Não Tenho Medo da Morte em bloco mais intimista, Gil enfatizou a superioridade da canção de 1981 sobre o tema gravado em seu último álbum. Tanto no que diz respeito à arquitetura das melodias como às divagações transcendentais feitas nas letras das duas canções. Na seqüência, outro link temático - bem mais inusitado - encadeou O Rouxinol (da lavra do próprio Gil) com Three Little Birds, o tema de Bob Marley (1945 - 1981). Foi momento espirituoso de um show que transcendeu a espiritualidade do CD Gil Luminoso em favor da musicalidade multifacetada de Gilberto Gil. Concerto iluminado...

7 de novembro de 2008 às 11:06  
Anonymous Anônimo said...

Gênio absoluto!

7 de novembro de 2008 às 12:09  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, ainda nao li o texto, mas, PARABENS pela foto. Ta se aprimorando!
Um abraco

7 de novembro de 2008 às 12:47  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, só uma correção: o samba de Gil que Elis gravou de forma quase irretocável, chama-se "Amor Até o Fim", não "Até o fim".

Aliás, a Pimenta, em shows, costumava amalgamar tal canção a "Mancada", outra da lavra de Gil. Fez isso até no show de Montreux. Papa finíssima.

Sobre o mais famoso nativo de Ituaçu, eu digo: quando ele quer realçar os ritmos de sua obra, se dá muito bem.

Felipe dos Santos Souza

7 de novembro de 2008 às 13:54  
Anonymous Anônimo said...

Só p´ra confirmar... o nome da música gravada pela elis não é "Amor até o fim"?

7 de novembro de 2008 às 14:01  
Anonymous Anônimo said...

não vi esse show do gil, vi o banda larga que é duca, os arranjos do banda dão de dez nos arranjos do obra em progresso, do caetano.

7 de novembro de 2008 às 15:03  
Anonymous Anônimo said...

gil também registrou a música 'senhor delegado' em seu CD 'antologia do samba-choro' de 1978, dividido com germano mathias.

7 de novembro de 2008 às 16:22  
Anonymous Anônimo said...

Que bom, Gilberto Gil continua o mesmo. Excelente músico, ótimo compositor e bom cantor. A música brasileira de qualidade precisa dele.

7 de novembro de 2008 às 18:08  

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