4 de agosto de 2008

Sérgio revitaliza sua obra a partir da juventude

Resenha de CD
Título: Ponto de Partida
Artista: Sérgio Ricardo
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *

Se a geração que canta e toca para o público jovem que vem freqüentando o (efervescente) circuito de samba da Lapa, no Rio de Janeiro, descobrir Maria do Tambá, samba esperto de Sérgio Ricardo que o autor regrava em seu álbum Ponto de Partida, pode criar um hit no boêmio bairro carioca. Maria do Tambá traça o perfil da imponente moradora da Favela do Vidigal (RJ), espécie de tia-avó da Maria do Socorro delineada por Edu Krieger na voz de Maria Rita. Krieger, aliás, toca violão neste CD em que Ricardo parte da juventude para criar uma obra que também se insere no universo da Bossa Nova - por conta de canções como Folha de Papel, regravada em dueto pelo autor com sua filha cantora, Adriana Lutfi - mas que sempre atravessou a fina fronteira rítmica da velha bossa, abrangendo choro e baião.

Rodeado por músicos da nova geração, como o bandolinista Hamilton de Holanda e o violinista Nicolas Krassik, Ricardo oferece vigoroso painel de obra cujo brilho acabou empanado no mercado por conta da censura afiada do regime militar que podou os versos cortantes de músicas como Lá Vem Pedra, tema que roda no toque da capoeira (presente também no arranjo de Palmares, bissexta inédita do disco, composta com Capinam). E também por conta do antológico episódio do festival de 1967, quando, atiçado pelas vaias do público que não o deixava cantar sua música Beto Bom de Bola, o compositor quebrou seu violão e o arremessou contra a platéia. Quem perdeu foi o público, afastado da música consciente de um compositor que transita tanto pelo formato mais tradicional da canção, como Ausência de Você, como pelo samba. Neste gênero, a juventude precisa ouvir Contra Maré (manifesto contra o caráter magoado atribuído ao autor), Enquanto a Tristeza Não Vem - cuja melodia e poesia da letra descendem da linhagem nobre dos bambas da Velha Guarda - e Fantasma, talvez o samba mais atual do repertório de Ricardo. Ouvida hoje, a saga deste Robin Hood da favela parece ter versos premonitórios sobre os atuais duros códigos que regem a vida e a relação dos moradores da favela com seus protetores. Hit na Lapa.

A despeito de conservar sua voz grave em boa forma, já aos 75 anos, Ricardo divide o microfone em ponto de partida com suas filhas cantoras, Adriana e Marina Lufi. Além de ter posto voz em faixas como Cacumbu, Marina assumiu também a produção do disco. Já Adriana entoa o Poema Azul, tirado do baú por Maria Bethânia ao selecionar o repertório de seu álbum Mar de Sophia (2006). Entre tema urdido com a estrutura narrativa das milongas sulistas (Beira do Cais) e dois clássicos gestados pelo cinema de Glauber Rocha (Barravento e Deus e o Diabo na Terra do Sol - este com tratamento sinfônico que preserva a força do tema), Sérgio Ricardo passa uma real vitalidade neste Ponto de Partida. Os refinados arranjos de Alain Magalhães (violões), Alexandre Caldi (sopros) e Marcelo Caldi (piano) mantém seu cancioneiro no tradicionalista universo brasileiro ao qual ele está relegado. Mas nem por isso deixa de haver salutar jovialidade nas 15 faixas deste ótimo CD que parece significar novo começo para Sérgio Ricardo.

5 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Se a geração que canta e toca para o público jovem que vem freqüentando o (efervescente) circuito de samba da Lapa, no Rio de Janeiro, descobrir Maria do Tambá, samba esperto de Sérgio Ricardo que o autor regrava em seu álbum Ponto de Partida, pode criar um hit no boêmio bairro carioca. Maria do Tambá traça o perfil da imponente moradora da Favela do Vidigal (RJ), espécie de tia-avó da Maria do Socorro delineada por Edu Krieger na voz de Maria Rita. Krieger, aliás, toca violão neste CD em que Ricardo parte da juventude para criar uma obra que também se insere no universo da Bossa Nova - por conta de canções como Folha de Papel, regravada em dueto pelo autor com sua filha cantora, Adriana Lutfi - mas que sempre atravessou a fina fronteira rítmica da velha bossa, abrangendo choro e baião.

Rodeado por músicos da nova geração, como o bandolinista Hamilton de Holanda e o violinista Nicolas Krassik, Ricardo oferece vigoroso painel de obra cujo brilho acabou empanado no mercado por conta da censura afiada do regime militar que podou os versos cortantes de músicas como Lá Vem Pedra, tema que roda no toque da capoeira (presente também no arranjo de Palmares, única inédita do disco, composta com Capinam). E também por conta do antológico episódio do festival de 1967, quando, atiçado pelas vaias do público que não o deixava cantar sua música Beto Bom de Bola, o compositor quebrou seu violão e o arremessou contra a platéia. Quem perdeu foi o público, afastado da música consciente de um compositor que transita tanto pelo formato mais tradicional da canção, como Ausência de Você, como pelo samba. Neste gênero, a juventude precisa ouvir Contra Maré (manifesto contra o caráter magoado atribuído ao autor), Enquanto a Tristeza Não Vem - cuja melodia e poesia da letra descendem da linhagem nobre dos bambas da Velha Guarda - e Fantasma, talvez o samba mais atual do repertório de Ricardo. Ouvida hoje, a saga deste Robin Hood da favela parece ter versos premonitórios sobre os atuais duros códigos que regem a vida e a relação dos moradores da favela com seus protetores. Hit na Lapa.

A despeito de conservar sua voz grave em boa forma, já aos 75 anos, Ricardo divide o microfone em ponto de partida com suas filhas cantoras, Adriana e Marina Lufi. Além de ter posto voz em faixas como Cacumbu, Marina assumiu também a produção do disco. Já Adriana entoa o Poema Azul, tirado do baú por Maria Bethânia ao selecionar o repertório de seu álbum Mar de Sophia (2006). Entre tema urdido com a estrutura narrativa das milongas sulistas (Beira do Cais) e dois clássicos gestados pelo cinema de Glauber Rocha (Barravento e Deus e o Diabo na Terra do Sol), Sérgio Ricardo passa vitalidade neste Ponto de Partida. Os refinados arranjos de Alain Tavares (violões), Alexandre Caldi (sopros) e Marcelo Caldi (piano) mantém seu cancioneiro no tradicionalista universo brasileiro ao qual ele está relegado. Mas nem por isso deixa de haver salutar jovialidade nas 15 faixas deste ótimo CD que parece significar novo começo para Sérgio Ricardo.

4 de agosto de 2008 às 10:51  
Anonymous Anônimo said...

Sérgio Ricardo é um artista genial e acertou em cheio ao cercar-se dos melhores da nova geração (Edu Krieger, Hamilton de Holanda, Nicolas Krassik, os irmãos Caldi)... bem vindo de volta ao mercado, Sérgio!

4 de agosto de 2008 às 14:59  
Blogger Flávia C. said...

E além disso tudo que você falou, a capa é belíssima! =)

4 de agosto de 2008 às 16:07  
Anonymous Anônimo said...

Meio mundo morou nessa Estrada do Tambá. Gal Costa, inclusive. Depois foram saindo de fininho, que a vizinhança cresceu.

4 de agosto de 2008 às 16:32  
Anonymous Anônimo said...

Caro Mauro Ferreira, sou muito amiga da Marina, escrevemos juntas o projeto do CD aprovado para patrocínio pela Petrobras e preciso corrigir um erro no seu texto.
Não é Alain Tavares, é Alain Pierre Magalhães, quem divide os refinados arranjos do novo disco de Sérgio Ricardo com Marcelo e Alexandre Caldi. Os três são irmãos, filhos do pianista Homero de Magalhães. Por favor, corrija o nome dele... Te agradeço. Um abraço,
Maritza.

10 de agosto de 2008 às 20:15  

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