1 de agosto de 2008

Cida e Frateschi valorizam obra afiada de Waits

Resenha de show
Título: Canções para Cortar os Pulsos
- A Música de Tom Waits
Artista: Cida Moreira e André Frateschi
Local: Centro Cultural Solar de Botafogo (RJ)
Data: 31 de julho de 2008
Cotação: * * * * 1/2
Em cartaz: de 31 de julho a 9 de agosto, de quinta-feira a domingo

O compositor americano Tom Waits é cultuado por ter construído uma obra singular em que aborda com poesia e teatralidade a existência desiludida dos perdedores. As imagens líricas das letras de Waits embelezam a amargura contida em muitos dos versos que ele põe em melodias encantadoras. Intérprete de alto teor dramático, com passagens pelo teatro, Cida Moreira mergulha no universo particular do compositor desde 2002, quando estreou em Porto Alegre (RS), sob encomenda, show dedicado ao cancioneiro de Waits. O espetáculo de 2002 voltou reformulado em 2007 - onde cumpriu vitoriosa temporada em São Paulo (SP) - e chegou enfim ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de quinta-feira, 31 de agosto de 2008. Cida divide a cena com um surpreendente André Frateschi, que, paralelamente às suas atividades como ator (está na novela Ciranda de Pedra), desenvolve carreira musical.

Canções para Cortar os Pulsos tem um clima de cabaré que remete ao álbum de 1988 em que Cida interpreta o cancioneiro de Bertolt Brecht (1898 - 1956). Um piano, uma poltrona e algumas garrafas de uísque ajudam a compor a cena com a teatralidade que salta aos ouvidos tão logo a cantora começa a abrir o baú de jóias selecionadas para o espetáculo. E quem está nesta cena tão sedutora não é a Cida Moreira mais contida de álbuns recentes como Angenor (2008), dedicado à obra de Cartola (1908 - 1980). É a intérprete cortante que fuma um charuto em cena antes de abrir o show e a voz cantando - com vocalises, ao piano - o tema instrumental Fawn, extraído de um dos álbuns mais consistentes da discografia de Waits, Alice (2002). Sempre ao piano, Cida desfia músicas como Broken Bicycles com segurança e intimidade com o mundo poético de Waits. A artista está em casa.

Na seqüência, Anywhere I Lay my Head explicita o tom forte das interpretações. Cida e Frateschi carregam nas tintas e cantam Waits com a alma que inexiste no recente e equivocado tributo da atriz Scarlett Johansson ao compositor. No caso de Frateschi, a voz cavernosa evoca o timbre rascante de Waits desde que ele assume ao microfone para solar Rain Dogs. Em dueto, os intérpretes apresentam temas do porte do blues Downtown Train, de All the World Is Green - que, na estréia, voltou no bis com a boa adesão de Hélio Flanders, vocalista do grupo Vanguart - e de Poncho's Lament, que também retorna no bis em ambiência mais animada. E o fato é que, mesmo sem a experiência de Cida, Frateschi segura a onda do show quando sola músicas como Chocolate Jesus. Detalhe: no número seguinte, Jesus Gonna Be Here, ele toca violão e gaita ao mesmo tempo. Sem perder o pique.

Entrosada, a dupla de intérpretes em nenhum momento dilui a intensa atmosfera emocional de Canções para Cortar os Pulsos. Ao desfiar canções para pulsar os cortes, como brincam em cena, Cida e Frateschi honram o cancioneiro de Waits. Picture in a Frame - número em que ele toca gaita e ela, ao piano, vai elevando e alternando tons - é um dos números de grande beleza deste show inusitado. Mesmo nas músicas mais calmas, caso de Once Upon a Town (da trilha sonora do filme One from the Heart, de 1982), paira um clima quente no ar. Talvez porque é a teatralidade exacerbada de números como Tango Till They're Sore que molda a ambiência do show. E a emoção parece genuína quando Cida junta o tema instrumental Closing Time com a canção Take It with me, solada por ela com tons graves que vão subindo aos poucos. E é como se estivessem num cabaré que a dupla apresenta músicas como Yesterday Is Here e Jockey Full of Bourbon (da trilha do filme Down by Law, em que Tom Waits acumulou as atividades de ator e compositor da música original).

Dentro do universo pulsante de Waits, há também instantes de puro romantismo. A linda canção Johannesburg, Illinois - composta por Waits para sua mulher e musa, Kathleen Brennan - é solada por Cida ao piano no tempo da delicadeza. Destaque de um roteiro que também apresenta Time, Temptation (o único número menos cortante) e Innocent When You Dream. Enfim, um show teatral, apropriado para intérprete dramática como Cida Moreira, hábil ao fazer pulsar a veia poética de Tom Waits. É imperdível!!!!!

12 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

O compositor americano Tom Waits é cultuado por ter construído uma obra singular em que aborda com poesia e teatralidade a existência desiludida dos perdedores. As imagens líricas das letras de Waits embelezam a amargura contida em muitos dos versos que ele põe em melodias encantadoras. Intérprete de alto teor dramático, com passagens pelo teatro, Cida Moreira mergulha no universo particular do compositor desde 2002, quando estreou em Porto Alegre (RS), sob encomenda, show dedicado ao cancioneiro de Waits. O espetáculo de 2002 voltou reformulado em 2007 - onde cumpriu vitoriosa temporada em São Paulo (SP) - e chegou enfim ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de quinta-feira, 31 de agosto de 2008. Cida divide a cena com um surpreendente André Frateschi, que, paralelamente às suas atividades como ator (está na novela Ciranda de Pedra), desenvolve carreira musical.

Canções para Cortar os Pulsos tem um clima de cabaré que remete ao álbum de 1988 em que Cida interpreta o cancioneiro de Bertolt Brecht (1898 - 1956). Um piano, uma poltrona e algumas garrafas de uísque ajudam a compor a cena com a teatralidade que salta aos ouvidos tão logo a cantora começa a abrir o baú de jóias selecionadas para o espetáculo. E quem está nesta cena tão sedutora não é a Cida Moreira mais contida de álbuns recentes como Angenor (2008), dedicado à obra de Cartola (1908 - 1980). É a intérprete cortante que fuma um charuto em cena antes de abrir o show e a voz cantando - com vocalises, ao piano - o tema instrumental Fawn, extraído de um dos álbuns mais consistentes da discografia de Waits, Alice (2002). Sempre ao piano, Cida desfia músicas como Broken Bicycles com segurança e intimidade com o mundo poético de Waits. A artista está em casa.

Na seqüência, Anywhere I Lay my Head explicita o tom forte das interpretações. Cida e Frateschi carregam nas tintas e cantam Waits com a alma que inexiste no recente e equivocado tributo da atriz Scarlett Johansson ao compositor. No caso de Frateschi, a voz cavernosa evoca o timbre rascante de Waits desde que ele assume ao microfone para solar Rain Dogs. Em dueto, os intérpretes apresentam temas do porte do blues Downtown Train, de All the World Is Green - que, na estréia, voltou no bis com a boa adesão de Hélio Flanders, vocalista do grupo Vanguart - e de Poncho's Lament, que também retorna no bis em ambiência mais animada. E o fato é que, mesmo sem a experiência de Cida, Frateschi segura a onda do show quando sola músicas como Chocolate Jesus. Detalhe: no número seguinte, Jesus Gonna Be Here, ele toca violão e gaita ao mesmo tempo. Sem perder o pique.

Entrosada, a dupla de intérpretes em nenhum momento dilui a intensa atmosfera emocional de Canções para Cortar os Pulsos. Ao desfiar canções para pulsar os cortes, como brincam em cena, Cida e Frateschi honram o cancioneiro de Waits. Picture in a Frame - número em que ele toca gaita e ela, ao piano, vai elevando e alternando tons - é um dos números de grande beleza deste show inusitado. Mesmo nas músicas mais calmas, caso de Once Upon a Town (da trilha sonora do filme One from the Heart, de 1982), paira um clima quente no ar. Talvez porque é a teatralidade exacerbada de números como Tango Till They're Sore que molda a ambiência do show. E a emoção parece genuína quando Cida junta o tema instrumental Closing Time com a canção Take It with me, solada por ela com tons graves que vão subindo aos poucos. E é como se estivessem num cabaré que a dupla apresenta músicas como Yesterday Is Here e Jockey Full of Bourbon (da trilha do filme Down by Law, em que Tom Waits acumulou as atividades de ator e compositor da música original).

Dentro do universo pulsante de Waits, há também instantes de puro romantismo. A linda canção Johannesburg, Illinois - composta por Waits para sua mulher e musa, Kathleen Brennan - é solada por Cida ao piano no tempo da delicadeza. Destaque de um roteiro que também inclui Time, Temptation (o único número menos cortante) e Innocent When You Dream. Enfim, um show teatral, apropriado para intérprete dramática como Cida Moreira, hábil ao fazer pulsar a veia poética de Tom Waits. É imperdível!!!!!

1 de agosto de 2008 às 08:07  
Anonymous Anônimo said...

Mauro,

Não entendi a nota que você deu (4 estrelas e 1/2) se os seus comentários são totalmente elogiosos.

A que se deve a 1/2 estrela perdida na sua avaliação?

No mais, muito bacana o destaque que você dá a esse show, que deve realmente ser imperdível.

abração,
Denilson

1 de agosto de 2008 às 09:39  
Anonymous Anônimo said...

Cida está num fôlego só. Shows de cancioneiros diferenciados e diversificados bastante elogiados. A plenitude de sua maturidade artística. Bravos!!!

1 de agosto de 2008 às 10:27  
Anonymous Anônimo said...

Adoro Cida, acho uma grande intérprete, ousada e totalmente compromissada com suas vontades e verdades artísticas. Pena que não fiquei do show aqui em SP. Tomara que seja gravado em DVD.


MAURO: já sabe alguma coisa sobre aquela caixa do Ney Matogrosso ? vai sair ?

Eduardo Cáffaro - SP

1 de agosto de 2008 às 10:49  
Anonymous Anônimo said...

Vi o show em Sampa e AMEI. Tem momentos gloriosos, mas fiquei me perguntando: será que não ferra a voz toda fazer o que ela faz nesse show? Ela raspa, ela arranha, ela faz misérias, e ainda fuma charuto. Sinceramente, essa preocupação bateu forte em certos momentos, em certas notas. Sem tirar a força e o fascínio do show.

Eu que já amo Tom Waitts e a Cida, não fiquei decepcionada. Gostei do Frateschi também - especialmente do timbre da voz, mas a presença forte em palco é ela, apesar do óbvio talento do moço. Downtown Train está linda.

1 de agosto de 2008 às 19:46  
Anonymous Anônimo said...

Cida é a cara de SPaulo: séria, debochada, sofisticadíssima.
Grande artista, grande profissional.

1 de agosto de 2008 às 23:01  
Anonymous Anônimo said...

Não gosto da Cida. Desafina demais!

2 de agosto de 2008 às 01:05  
Anonymous Anônimo said...

Tom Waits tem uma obra genial que casa bem com a voz e o estilo performático de Cida Moreira. Queria ter a oportunidade de assistir este espetáculo.

2 de agosto de 2008 às 10:02  
Anonymous Anônimo said...

para mim tmbem fica difícil cida ser inteiramente apreendida e degustada fora da noite paulistana.

cida é lira paulistano, pirandelo, geada, frio, night, dark, almodovar, tóquio, enfim........sampa.

2 de agosto de 2008 às 11:34  
Blogger Unknown said...

Que bobeira isso de Cida não ser inteiramente apreendida fora da noite paulistana...Cida é uma artista do MUNDO e não exclusivamente de Sampa. Haja vista os diferentes mundos que compõem o mundo dela: Tom Waits, Cartola, Chico Buarque, Brecht...

3 de agosto de 2008 às 01:55  
Anonymous Anônimo said...

TOM ESPERA TB EH A CARA DE SAO PAULO

3 de agosto de 2008 às 10:55  
Anonymous Anônimo said...

Bem lembrado, ela jah foi (e deve ser ainda) queridinha do Chico. Ela nao desafina. Faz parte do estilo as variacoes que faz - desde as oitavadas e moduladas ate uma certa dissonancia, eh diferente.

5 de agosto de 2008 às 11:41  

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