10 de julho de 2008

Musical caricato, de ritmo lento, historia samba

Resenha de musical
Título: Eu Sou o Samba
Autoria: Fátima Valença
Direção: Fábio Pillar
Direção musical: Helvius Vilela
Elenco: Alice Borges, Claudia Mauro, Édio Nunes, Lilian
Valeska, Marcelo Nogheira, Rafaela Fischer, Romeu
Evaristo, Ronnie Marruda, Sheila Mattos e outros
Em cartaz: Teatro Carlos Gomes (RJ)
Cotação: *

Fugindo da já batida fórmula de transformar biografias de cantores em temas de musicais, a produtora Claudia Vigonne idealizou um espetáculo que mostrasse a evolução do samba desde os seminais terreiros e sambistas da Praça Onze e do Estácio - alvos do preconceito das elites e da perseguição da polícia - até a gradual assimilação e valorização do partido alto pelas classes médias ao longo dos anos. Pois a ótima idéia gerou um dos piores musicais encenados em palcos do Rio de Janeiro. Em cartaz desde 9 de julho de 2008, no Teatro Carlos Gomes, Eu Sou o Samba é um espetáculo caricato e de ritmo arrastado. Falta empolgação ao esforçado e numeroso elenco (formado em sua maioria por atores sem voz apropriada para o canto) - como também aos arranjos, criados pelo pianista e maestro Helvius Vilela sem a devida ênfase na percussão. Já a direção de Fábio Pillar nunca dribla os clichês...

A dramaturgia do texto de Fátima Valença vai perdendo fôlego ao longo das duas horas do musical. Tanto que, no segundo ato, há ininterrupta seqüência de sambas cantados em cenário que reproduz o bar ZiCartola. Da mesma forma que, no primeiro ato, fragmentos de situações dramáticas vividas numa boate entremeiam sambas-canções (Fim de Caso e Meu Mundo Caiu, entre outros) em outra seqüência longa. A rigor, o texto se vale de flashes episódicos - com a exploração de tipos caricatos - para contar a trajetória do samba. Tenta-se o recurso do humor para mostrar o preconceito dos brancos com os salões onde se dançava maxixe e o samba seminal dos anos 20. Cenas rápidas e desconexas vão citando fatos históricos - como a compra de sambas pelo cantor Francisco Alves (1898 - 1952) - em narrativa frouxa que nunca prende a atenção, apesar da força do repertório.

Se os figurinos de Rosa Magalhães reproduzem com êxito os clichês associados aos sambistas, às vezes abusando das cores, como no vestido usado por Lilian Valeska para cantar Não Deixe o Samba Morrer, as coreografias de Carlinhos de Jesus procuram dar ao musical uma vivacidade que ele não tem. As interpretações ficam abaixo da média do gênero e algumas têm nível ginasial. Individualmente, atores de talento como Alice Borges e Édio Nunes rendem bem em alguns momentos, mas nem a experiência dela a redime do fiasco de encarnar Aracy de Almeida (1914 - 1988) fora do tom jocoso da grande intérprete dos sambas de Noel Rosa (1910 - 1937). A atriz defende mal seu número Fita Amarela.

A pesquisa musical do jornalista João Máximo se revela correta, embora não haja justificativa para o fato de o texto ir somente até os anos 70, já que, na década posterior, a geração liderada por Zeca Pagodinho escreveu capítulo significativo na história do samba. A propósito, não fazer menção às contribuições dos sambistas do Cacique de Ramos nos anos 70 é outra falha grave do texto. Que peca também em associar à Bossa Nova o educado protesto esboçado por Paulinho da Viola em Argumento quando, na realidade, o sambista se referia na letra ao sambão-jóia tocado ao piano pelo cantor Benito Di Paula, muito popular em 1975, ano em que Paulinho lançou seu belo samba. No musical, Argumento é apresentado em seguida a Só Danço Samba, número feito por atriz caracterizada como Nara Leão (1942 - 1989). Distorção histórica!

Enfim, Eu Sou o Samba chega à cena de forma equivocada. Falta ao espetáculo - vale enfatizar... - os dois ingredientes mais indispensáveis quando o assunto é o samba: ritmo e empolgação...

11 Comments:

Anonymous Anônimo said...

a história do samba é muito grande pra ser contada num musical, eles devem ter se atrapalhado

10 de julho de 2008 às 20:05  
Anonymous Anônimo said...

que pena, estava empolgada para assistir.

10 de julho de 2008 às 21:24  
Anonymous Anônimo said...

Pela Rosa Magalhães já vale o espetáculo. Aliás, a nossa carnavalesca exaltará o bairro de Ramos, o Cacique e o Fundo de Quintal no próximo enredo da Imperatriz. Abraços,

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)

11 de julho de 2008 às 09:16  
Anonymous Anônimo said...

Esqueci de mencionar, perfeito o seu comentário Mauro sobre a música Argumento. O protesto educado (genialmente explicado por você, até porque Paulinho da Viola é o Príncipe do Samba) era mesmo para Benito de Paula. Nada a ver com Bossa Nova! O problema é que tem muito historiador que pesquisa "muito" e acaba tropeçando na falta de critério. E o povo acaba comprando a chamada falsa realidade. Abraços,

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)

11 de julho de 2008 às 09:26  
Anonymous Anônimo said...

Uma pena, uma pena, uma pena... Arg!!

11 de julho de 2008 às 14:11  
Anonymous Anônimo said...

Realmente pular a década de 80, quando os "fundos de quintais" dos subúrbios cariocas deram novidade ao samba foi um erro gravíssimo.

Glauber 97

11 de julho de 2008 às 15:29  
Anonymous Anônimo said...

O Paulinho numa entrevista recente falou que Argumento foi feita devido a "ligeira alteração rítmica" que ele tinha visto no carnaval de 73.Gosto do Paulinho,mas o pior é que eu gosto do Benito

14 de julho de 2008 às 01:23  
Anonymous Anônimo said...

Perfeitos todos os seus comentários.
Senti vergonha do espetáculo.
Desculpe aí Marcelo Barbosa de Brasília, mas nem a Rosa Magalhães escapou.

14 de julho de 2008 às 14:39  
Anonymous Anônimo said...

Gosto do Paulinho da Viola, embora ele me dê sono muitas vezes. Prefiro o Benito, sem dúvida.

14 de julho de 2008 às 18:17  
Anonymous Anônimo said...

Acredito que como tudo na vida, a presença da humildade pode acertar todas as particularidades negativas do espetáculo. Roteiro, cenário, elenco, técnica, direção... Faltam amadurecimento e ajustes. O espetáculo tem tudo para se transformar em um grande sucesso... Basta ter ADMINISTRAÇÃO e VISÃO do TODO! Uma boa injeção de ÂNIMO, RITMO e EMPOLGAÇÃO (como foi dito) seria o ideal para integrar a EQUIPE em único propósito que é o de DAR CERTO!

15 de julho de 2008 às 17:50  
Anonymous Anônimo said...

Assisti no dia 13.07. Além da casa praticamente lotada, me impressionou a empolgação e o aplauso caloroso do público que, na verdade, é combustível mais importante para o sucesso de qualquer espetáculo. Ouvi muitas manifestações de agrado e satisfação por parte de espectadores. Concordo integralmente com Simone,"O espetáculo têm tudo para se transformar num grande sucesso", desde que, naturalmente, sejam feitas as correções necessárias.

21 de julho de 2008 às 23:44  

Postar um comentário

<< Home