20 de maio de 2007

Biografia capta a gangorra emocional de Maysa

Resenha de livro
Título: Maysa - Só numa
Multidão de Amores
Autor: Lira Neto
Editora: Globo
Cotação: * * * *

Quando a Brasília azul dirigida a mais de 100 km por hora por (uma sóbria) Maysa se chocou contra os muros de concreto da ponte Rio-Niterói, no fim da tarde triste de 22 de janeiro de 1977, fechava-se entre as duras ferragens do carro retorcido o ciclo intenso de uma das vidas mais apaixonadas e conturbadas da música brasileira. Foi vida movida a álcool, amores, música, escândalos e a um natural talento para desafiar as normas da moral vigente. Vida cuja essência sensível o jornalista Lira Neto consegue resumir nas 393 páginas da biografia da cantora que amou, viveu, bebeu, cantou e barbarizou demais.

Se a biografia quase simultânea Meu Mundo Caiu - A Bossa e a Fossa de Maysa exibe mais a forma de um ensaio poético sobre a cantora, escorado no texto espirituoso de Eduardo Logullo, Só numa Multidão de Amores tem a consistência de uma devida biografia, apurada sob rigor jornalístico. Lira Neto capta e retrata a gangorra emocional da biografada. E ter o aval dos herdeiros de Maysa, com acesso irrestrito aos diários da artista, não deixou o livro com caráter chapa-branca. Ao contrário. Maysa é retratada com intensidade isenta nas páginas da biografia. Sem julgamentos. Sem tentativas de maquiar o temperamento tão sensível quanto sombrio da artista. Se sofreu, e muito, Maysa também fez sofrer...

O acesso aos escritos mais íntimos da biografada dá conseqüente atestado de veracidade aos fatos revividos. Neto escreve sob os estados d'alma de Maysa com a autoridade de quem não precisou recorrer somente a terceiros. É a própria Maysa que, volta e meia, toma conta da envolvente narrativa na primeira pessoa através da reprodução de trechos de seus diários e de uma autobiografia que nunca saiu do papel. O livro parte de uma das muitas tentativas de suicídio da artista - no caso, em 11 de fevereiro de 1958, quando ela já contabilizava 22 anos e já fazia sucesso como cantora - para reconstituir os passos de Maysa Figueira Monjardim, nascida em 6 de junho de 1936, no Rio de Janeiro, em seus 40 turbulentos anos.

Criada entre Vitória e o Rio, Maysa logo despertou para a música. Que logo disputaria espaço com a vida de princesa moldada para ela. Um casamento precoce, com André Matarazzo, logo poria à prova a determinação de Maysa. Pioneira feminista, ela faria valer seus direitos, mas o fim da união conjugal lhe daria o passaporte para o inferno do álcool. Contra a bebida, travou numerosas lutas ao longo da vida. Lira detalha todas. Como também os excessos a que Maysa era levada pelas doses cavalares de uísque e vodca que bebeu dentro e fora do Brasil. Nisso, reside o mérito da biografia. Maysa é retratada com erros e acertos. Inclusive na música, pois sua discografia alternava grandes discos com álbuns equivocados. Só que pairou acima de tudo - dos discos, dos erros, dos pileques, dos excessos e dos amores - a sua voz personalíssima que exalava melancolia quando desfiava seu rosário noturno de lamentações amorosas. Se o mundo de Maysa caiu diversas vezes, ela soube se levantar. E coube a Lira Neto sintetizar nesta grande biografia o levantamento de vida marcada pela intensidade e que, por conta da voz imortal da dona, não se acabaria entre as ferragens de um carro retorcido justamente quando ela mais parecia querer viver.

20 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Deviam relançar seus discos, é neles que Maysa vive.

20 de maio de 2007 às 16:51  
Anonymous Anônimo said...

Se Janis Joplin foi a grande e conturbada musa hippie. Maysa foi nossa musa existencialista. Bela, perturbadora, contraditória, polêmica, anos adiante de sua geração. Deve ser reverenciada pela coragem, beleza e intensidade que estão naquilo que cantou. Quem apresenta num primeiro disco músicas como "Tarde triste", "Resposta"? e no ano seguinte algo do nível de "Un jour tu verras" com apenas 20-21 anos? -- MAYSA

20 de maio de 2007 às 18:09  
Anonymous Anônimo said...

Ainda sonho com um cd de Elba Ramalho em que ela canta apenas músicas de Maysa!

20 de maio de 2007 às 19:49  
Anonymous Anônimo said...

Tenho o maior interesse por esta mulher. Vou atrás correndo deste livro.
Encantei-me por Maysa quando a ouvi cantando ne me quitte pas no 'A Lei do Desejo' de Almodovar. Poucas vezes ouvi uma intérprete tão intensa, uma voz desde sempre madura. Para não falar em sua beleza desconcertante.

21 de maio de 2007 às 09:33  
Anonymous Anônimo said...

Humm.. Não sei não, Mauro, porque ainda não comprei o livro.

Mas acho que você entregou um dos mistérios que o Lira Neto estava anunciando: Maysa estava sóbria quando morreu.

Agora fiquei mais curioso ainda.

abração,
Denilson

21 de maio de 2007 às 12:02  
Anonymous Anônimo said...

Maysa tomava todas, né?

21 de maio de 2007 às 12:47  
Anonymous Anônimo said...

Elba cantar Maysa? Meu Deus esse bebeu mais que a mesma na vida inteira de uma só vez!!!Bethânia ou Simone ainda vai....

21 de maio de 2007 às 14:33  
Blogger Thiago Mello said...

Pensei que o livro fosse mudar um pouco a visão que o Brasil tem de Maysa... Mas por onde eu olho só se exaltam as bebedeiras, os vícios, os casos conturbados, as polêmicas e etc. Pouco, ou nada, se fala sobre sua música, e menos ainda, essa música é ouvida. "Maysa fez sofrer" ... "álbums equivocados" ... Gostaria de saber quais são esses discos a que o texto se refere, o autor confundiu a artista, porque esses discos simplesmente não existem.

21 de maio de 2007 às 15:10  
Anonymous Anônimo said...

Que Gilda que nada: Nunca houve uma mulher como Maysa.
Misteriosa, temperamental, arredia, procaz, sensibilíssima, sensual, puro ID; de uma beleza selvagem e, por vezes, doce.
Sua voz podia verter sangue ou anunciar o dia mais luminoso. Maysa cantava para não enlouquecer de vez. E nos brindava a todos com sua arte e sua exposição quase suicida. Quando desejava, Maysa convocava com seus olhos de loba e um rictus de boca, sua platéia, para uma noite orgíaca e alucinante, onde não havia lugar para covardes e meramente curiosos.
Não conheço ninguém que tenha passado por Maysa impunemente. E assim, fez de seu próprio corpo e de sua alma lilás, a lenha de uma fogueira que aqueceu (assim como queimou) toda uma tribo que a seguia noites a dentro.

21 de maio de 2007 às 16:56  
Anonymous Anônimo said...

Quem teria cacife para fazer um trabalho de recriação da obra de Maysa seriam Maria Bethânia, Ângela Rorô ou Nana Caymmi.

21 de maio de 2007 às 17:25  
Anonymous Anônimo said...

Realmente, Elba e Maysa não têm nada a ver. Elba é sinônimo de alegria, energia, sol, vitalidade e saúde. Maysa, soturna, notívaga, densa, amargurada...sei não, acho que Elba não carregaria esse piano.

21 de maio de 2007 às 18:56  
Anonymous Anônimo said...

Quando um crítico considera um album 'equivocado', o que efetivamente ele está dizendo???
Equívoco pressupõe engano. Para haver engano é necessário que haja uma verdade. Devo concluir que o crítico se outorga o conhecimento da verdade inerente aquele momento do artista e que, portanto, o artista não correspondeu a esta verdade???
Ou seria apenas um eufemismo para dizer que considera o disco ruim?
Se alguém puder me esclarecer esta questão (talvez o próprio crítico), ficarei agradecido e, quem sabe, menos ignorante.

Quanto ao post em questão, acabei de ler o livro e também achei consistente, bem escrito, oportuno.
Maysa foi - quem duvida? - uma grande personalidade. Criou uma grife, e o autor captou com profissionalismo as nuances de sua personalidade caleidoscópica.

22 de maio de 2007 às 09:22  
Anonymous Anônimo said...

Dark, melancólica, agressiva, felina, Maysa não teria lugar no panorama musical de hoje, onde Ivete Sangalo puxa a locomotiva da alegria.
Até a Rorô que tinha um leve QUÊ da capixaba, achou por bem abrir as janelas para o sol entrar.

22 de maio de 2007 às 17:03  
Blogger Thiago Mello said...

Mas... e a música de Maysa, alguém ouviu?

22 de maio de 2007 às 18:12  
Anonymous Anônimo said...

thiago, a música de maysa só faz sentido cantada por ela. e há algumas coisas maravilhosas no mercado.

23 de maio de 2007 às 09:56  
Anonymous Anônimo said...

Apenas quem não viveu ou conviveu com o drama terrível do alcoolismo, pode deixar de lamentá-lo.
Maysa foi uma cantora incomparável, infelizmente vencida pelo álcool. Não há glamour, sucesso, dinheiro ou notoriedade que amenize este sofrimento.
Achei o livro bastante fiel aos fatos. Convivi com pessoas que foram próximas da cantora e sei o quanto o vício a dominava e a expunha a situações que, provavelmente, Lira Neto não se sentiu a vontade para descrever.
Para mim, o timbre de Maysa é incomparável e sua presença cênica inesquecível.

23 de maio de 2007 às 10:43  
Anonymous Anônimo said...

La femme fatale! Especialmente para ela mesma.

24 de maio de 2007 às 09:21  
Anonymous Anônimo said...

Li o livro, gostei e.....parei de beber!!!!Banco de rua em Paris??? nem morta, santa!
Quanto ao resto, louvada Marina Lima: sexo é bom!

26 de maio de 2007 às 12:29  
Anonymous Anônimo said...

Essa bigrafia é muito boa. Serve como um livro de auto ajuda, pra quem tem problemas com o álcool.
Estou adoram a miniseri e tambem estou conhecendo bem mais a fundo a vida inteira da maior cantora do Brasil Maysa Monjardim.

8 de janeiro de 2009 às 15:13  
Anonymous Anônimo said...

Eu adoraria ver e ouvir Maria Betânia cantar as composiçõwes de Maysa. De todas as cantoras que temos atulamente, só Maria Betânia faria com tanta dedicação e paixão um trabalho desse.
Quero Maria Betania cantando Maysa.........

8 de janeiro de 2009 às 15:17  

Postar um comentário

<< Home