25 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Os belos gêmeos de Marisa Monte

Há quem finja ignorar ou detestar Marisa Monte (foto), muito por conta do marketing às vezes excessivo que cerca a artista, só que 2006 foi o ano da maturidade da cantora e compositora. Quatro anos depois do fenômeno do projeto Tribalistas, dividido com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, Marisa reapareceu com dois discos simultâneos, Infinito Particular e Universo ao meu Redor, que chegaram às lojas em 10 de março, com expressivas tiragens iniciais de 300 mil cópias, cada um. Se o primeiro foi um refinado songbook de canções de aura eventualmente mais pop, o segundo se moveu majestosamente ao redor do nobre universo do samba. Na seqüência, a artista estreou em 27 de abril, em Curitiba (PR), a turnê Universo Particular. O show, de caráter íntimo e estética inovadora, ainda está na estrada e confirmou o momento especial de Marisa Monte, que pariu discos gêmeos de repertório inteiramente inédito e sofisticação ímpar. Foi o destaque de 2006.

O CD de sambas já nasceu clássico. Universo ao meu Redor, o belo samba que abriu e deu título ao disco, poderia ser creditado a um bamba da velha guarda pela nobreza da melodia, o lirismo da letra ("Quantas lágrimas de orvalho na roseira / Todo mundo tem um canto de tristeza") e o violão e o cavaquinho personalíssimos de Paulinho da Viola. Da mesma forma que a faixa que o seguiu, O Bonde do Dom, também carregou a maestria e a beleza do samba mais tradicional. A novidade foi que ambos eram assinados por Marisa com os seus parceiros Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown.

A intimidade do trio tribalista com o samba impôs Universo ao meu Redor - o disco - como uma das obras-primas não somente do gênero, mas de todo o universo da música brasileira. O bonde de Marisa Monte soube desviar da rota purista que normalmente confina o samba a um trilho excessivamente nacionalista. Tratado com respeito, mas sem (excessiva) reverência, o samba cantado pela artista foi embalado com sutis sons contemporâneos - como os malabarismos bucais de Fernandinho Beat Box, convidado de faixas como Meu Canário (1950), de autoria do já obscuro Jayme Silva, compositor celebrizado por O Pato na voz de João Gilberto.

Cantando cada vez melhor, em tons suaves, Marisa combinou no repertório sambas novos e antigos, todos escorados em produção requintada feita pela cantora com Mario Caldato Jr. - nome ainda normalmente associado ao universo do hip hop. Houve toda uma atmosfera de delicadeza na percussão e nos arranjos. Atmosfera que adquiriu tom lúdico em Três Letrinhas (1969), surpreendente inédita da fase inicial do grupo Novos Baianos - sobra à altura dos grandes momentos da obra dos autores Moraes Moreira e Galvão.

No bonde da modernidade, Marisa e sua turma trafegaram por um repertório uniforme que nunca saiu dos trilhos. Entre uma pérola de 1980 de Argemiro Patrocínio (Lágrimas e Tormento, lustrada pelo piano contemporâneo de Daniel Jobim), temas igualmente nobres da lavra do time tribalista (Quatro Paredes, Satisfeito, A Alma e a Matéria, Cantinho Escondido) e inédita de Paulinho da Viola (Para Mais Ninguém, urdida com a elegante grife melódica e poética do autor), o disco transitou em linha suave, interrompida somente por Statue of Liberty, colaboração de David Byrne nos vocais e na co-autoria. O baticum miscigenado estava em sintonia com a tropicalista explosão de cores da linda capa ilustrada com colagem da artista plástica Beatriz Milhazes. Simples e sofisticada.

Com sofisticação e universalidade, Marisa Monte irmanou tanto insuspeita valsa de Dona Ivone Lara (Pétalas Esquecidas, 1945) quanto insuspeito samba de Adriana Calcanhotto (Vai Saber?, de 2005). Ou ainda uma pérola esquecida como Perdoa, meu Amor (1944), música de Casemiro Vieira, o Casemiro da Cuíca, o mais antigo integrante da atual formação da Velha Guarda da Portela. No resumo da ópera, Universo ao meu Redor foi disco de fato antológico que cresceu a cada audição e confirmou Marisa Monte como a artista mais importante e mais inteligente de sua geração.

Bem mais difícil foi identificar de imediato o requinte que norteou Infinito Particular. Mais do que um disco pop, rótulo tão vago quanto genérico, Infinito Particular foi um álbum de canções autorais. Detalhe: foi o primeiro CD de Marisa Monte em que todas as músicas - 13 inéditas - foram assinadas pela artista. Produzido por Alê Siqueira com a própria cantora, o repertório foi envolvido pela mesma atmosfera de delicadeza que permeou Universo ao meu Redor. Contudo, perdeu na inevitável comparação por seu repertório não ter resultado tão uniforme, mesmo com instantes geniais como a faixa-título e Vilarejo, que por si só já valeu o CD, pela melodia irresistível e pela letra que transmite paz ao retratar o tal vilarejo, idealizado microcosmo de um mundo perfeito. Dez!

De pop, a rigor, houve Pra Ser Sincero, parceria de Marisa Monte com Carlinhos Brown que tinha a pegada do último disco solo da artista, Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000) e, não por acaso, foi hit na trilha da novela Cobras e Lagartos. Até Parece também já nasceu radiofônica. Com ou sem jeito de hit, o repertório foi muito valorizado por arranjos estupendos dos maestros Eumir Deodato, Philip Glass (mestre do minimalismo) e João Donato. Esse trio lançou mão de inusitado arsenal de cordas, metais e percussão para embalar temas como Levante (original música da lavra de Seu Jorge com o trio tribalista, pontuada pelo trompete de Jesse Sadoc), A Primeira Pedra (de atmosfera etérea) e a melodiosa O Rio, acalanto em que Marisa transmitia ao filho, Mano Wladimir, lindo recado de fé no poder regenerador da vida.

O clima cool de Infinito Particular exibiu rara sofisticação. A primeira metade do CD até reeditou a perfeição que englobava Universo ao meu Redor. A queda na qualidade do repertório aconteceu a partir da oitava faixa. Gerânio, parceria de Nando Reis com Marisa, mais pareceu sobra do disco Mais (de 2001). A levemente abolerada Quem Foi, segunda colaboração de Marcelo Yuka com a cantora, também jamais se impôs entre canções mais bonitas. Em contrapartida, houve Pernambucobucolismo (com o arranjo urdido com percussão e baixo tocado pela própria Marisa) e a primeira parceria da gaúcha Adriana Calcanhotto com a colega carioca, Pelo Tempo que Durar, de atmosfera quase glacial. Linda!

No geral, tanto Infinito Particular como Universo ao meu Redor mostraram que, com maior ou menor perfeição no vasto repertório, Marisa Monte passou 2006 longe da banalidade que impera na música pop mundial. Ela ainda é a referência no Brasil...

19 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O Mauro parece ter feito esse blog para exaltar sua deusa Marisa Monte...

25 de dezembro de 2006 às 17:33  
Anonymous Anônimo said...

Show maravilhoso. Inovador, bons músicos, requinte nas interpretações. A gente sai de bem com a vida.
Foi a primeira vez que assisti a um espetáculo de Marisa Monte. Pretendo voltar.

25 de dezembro de 2006 às 19:26  
Anonymous Anônimo said...

Ufa!!!!!

25 de dezembro de 2006 às 21:10  
Anonymous Anônimo said...

Que chatice desse povo!!! O Mauro tem as preferências dele tb!!1

26 de dezembro de 2006 às 00:26  
Anonymous Anônimo said...

Universo ao meu redor

Mar de Sophia
Qualquer
Carioca

estes são os grandes álbuns do ano.

26 de dezembro de 2006 às 01:20  
Anonymous Anônimo said...

Marisa merece os elogios do Mauro .
O " Infinito Particular " foi um CD que demorei semanas pra me acostumar mas é de uma riqueza só ! Imaginem ? Eumir Deodato, Philip Glass , João Donato e Nicolas Krassik em um só CD ?? Marisa arrasa cantando e tocando .

Minhas preferidas são : Gerânio , Pra ser Sincero ( que não chegou a ser um hit ... ), Levante e Vilarejo , que como disse o Mauro já valeria pelo album todo . A cantora disse depois que a letra foi inspirida em " Além do Horizonte " do ídolo Roberto Carlos . A decepção pessoal com o album foi " Pelo tempo que durar " , primeira parceria de Marisa com minha preferida de anos , Adriana Calcanhotto .

" Universo ao Meu Redor " pode ser considerado um dos melhores CDs de Marisa Monte ao lado de " Verne , Anil , Amarelo , Cor de Rosa e Carvão " . Marisa quando cai no samba não faz feio . E o clima " denso " em algumas faixas só enriquecem o CD . Só feras no album com Paulinho , Mauro Diniz , Daniel Jobim e Jacques Morelembaun

Gosto de : O Bonde do Dom , Cantinho Escondido , Satisfeito , Três Letrinhas e Vai Saber ? . Não curti a valsa " Pétalas Esquecidas " . Queria muito que ela gravasse " A chuva Cai " do Argemiro . Fica pra próxima ....


Parabéns . Marisa fez de novo !

26 de dezembro de 2006 às 02:00  
Anonymous Anônimo said...

E o pior, ou melhor, é que ela merece Vera.

Jose Henrique

26 de dezembro de 2006 às 03:32  
Anonymous Anônimo said...

Não concordo!Acho que o disco de sambas revela uma Marisa evoluindo da forma mais pragmática possivel,com variaçoes minimalistas e burocráticas,tipo cantora de barzinho com ar condicionado.Samba previsível.Resultado:Cansativo,enjoado,insosso,esquessível!Já o outro tem grandes poucos momentos,o que já é muito.

26 de dezembro de 2006 às 09:58  
Anonymous Anônimo said...

Me incluo nos que se arrepiam com o 'marketing excessivo' que cerca a cantora, mas não me torno cego à qualidade de seu trabalho e a seriedade com que conduz sua carreira. Gosto dos 2 cds, embora não os considere obras primas, assim como me deleito com a voz da cantora que, igualmente, não é nenhuma usina de som.
MM é competente, faz direito, se leva a sério, tem tino comercial e respeita seu ofício. Bacana!

26 de dezembro de 2006 às 10:10  
Anonymous Anônimo said...

Marisa Monte foi incrível como sempre... Os melhores cds do ano pra mim foram:

Infintito Particular
Universo ao meu redor
Mar de Sophia
Pirata
Carioca

Pierrot e colombina
Balé Mulato
Mutantes ao vivo

Mas o melhor desse ano foram os relançamentos da obra de Bethânia

26 de dezembro de 2006 às 12:48  
Anonymous Anônimo said...

tbém achei. comprei todos os cds da bethânia que foram remasterizados e descobri uma obra sensacional.

26 de dezembro de 2006 às 17:11  
Anonymous Anônimo said...

Quem teria peito pra lançar 2 albuns só com ineditas ? sem apelar para fómulas do modismo atual ?
Até Ivete Sangalo se rendeu a Marisa gravando " Carnavália " no DVD do Maracanã . Podem falar o que quiserem , mas depois de Marisa as outras são outras !

27 de dezembro de 2006 às 03:54  
Anonymous Anônimo said...

só não posso concordar quando você diz que musicas como : Gerânio e Até Parece são ruins . Marisa está em excelente forma vocal e consegue juntar um time que não existe em seus trabalhos . Feras nacionais e internacionais como : Philip Glass e David Byrne .

Ela tem moral .

27 de dezembro de 2006 às 06:53  
Anonymous Anônimo said...

Marisa precisa gravar um cd com Beth Carvalho , Dona Ivone Lara , Teresa Cristina , Tia Surica , Dorina , Alcione e Leci Brandão . Já pensou a lindeza que ia ficar ? Damas do samba !!!!!!!!!!!!!!

27 de dezembro de 2006 às 07:03  
Anonymous Anônimo said...

Agora é aguardar o DVD de MM. Espero que não seja um documentário chato como o Barulhinho Bom. Estou torcendo para que seja o show na íntegra, já que tanta gente está elogiando. DVDs com tom de documentários até são interessantes, mas a gente não assiste mais que duas vezes. É só pensar nos Doces Bárbaros, que poderia apresentar o show completo, e fica o tempo todo nos bastidores, com pedaços do show cortados.Uma dó, e uma pena, para quem como eu nunca assistiu nem ao primeiro Doces Bárbaros, também foi me negado o direito de ver o segundo encontro na íntegra. Feliz 2007 para todos, e agora é torcer para que venham as novidades:
MM - o show completo em DVD e
Maria Bethânia - Dentro do mar tem rio, em DVD tb.

Edu ( abc )

27 de dezembro de 2006 às 11:10  
Anonymous Anônimo said...

MM é a Bethania de amanhã.
Séria, talentosa e carismática.

28 de dezembro de 2006 às 12:42  
Anonymous Anônimo said...

Às vezes penso que Marisa veio de Woodstok a pé. É riponga até quando tenta ser chique.

28 de dezembro de 2006 às 14:16  
Anonymous Anônimo said...

Concordo, o cd do ano na minha opinião foi o Universo ao Meu redor!
Parabéns a cantora que soube abraçar o samba com tamanha dignidade e competência. Graças a Deus uma turma nova resiste e não deixa o samba cair. Roberta Sá, D2, Fernanda Abreu, .... O resto é o resto e se perderá daqui há 20 anos. Nem todas são como Gal e Bethânia que felizmente resistem.
Entro neste mérito porque o Brasil já teve um vasto número de cantoras maravilhosas (e não as do quilate de hoje em dia) que se perderam no tempo. Pq? Porque não cantavam samba! Foram impostas pelas suas gravadoras.
Parabéns a Marisa que na minha opinião é a maior cantora deste país, como bem disse o Rei Roberto Carlos.
Abraços Mauro e concordo plenamente com o anônimo das 05:03h.
Marcelo Barbosa - Rio de Janeiro (RJ)

28 de dezembro de 2006 às 15:04  
Anonymous Anônimo said...

Imagine só ? Marisa e Beth Carvalho juntas ? Ambas já gravaram " Dança da Solidão "e " A Chuva cai " e Marisa arrasou em seus registros !
Quanto a Leci Brandão , tô fora .

30 de dezembro de 2006 às 06:06  

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